07 de novembro, de 2020 | 08:27

O caso Mariana Ferrer

Bady Curi Neto *

“Para aqueles que leram a sentença, verificou-se, como água cristalina, que o decisum absolveu o réu por ausência de provas”

Todas as vezes que assistimos um erro judicial, que resulta na prisão de um inocente, imaginamos o sofrimento que o indivíduo passou por ser privado de sua liberdade, com a pecha de criminoso. Todo aquele que sofre uma persecução penal, sendo inocentado, traz consigo a dor da injustiça. Por óbvio, não se quer defender a ausência de investigação ou da persecução penal, certo que esta é a única forma de punir aquele que comete um ato delituoso.

O princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu) demonstra que cabe ao Estado acusador fazer as provas necessárias e indubitáveis da conduta do acusado tipificada no Código Penal. Não restando evidenciado a conduta delitiva, deve o mesmo ser absolvido da acusação imputada.

Assistimos, esta semana, a um vídeo vazado pelo Intercept de parte de uma malfadada audiência criminal, no qual um indivíduo era acusado de estupro de vulnerável. No caso contra a influencer Mariana Ferrer. O site traz a seguinte manchete “Julgamento de influencer Mariana Ferrer termina com sentença inédita de “estupro culposo” e advogado humilhando jovem”.

Realmente os trechos gravados da audiência foram um amontoado de absurdos, não poderia o Estado Acusador ou Julgador permitir o tratamento dispensado pelo advogado a pretensa vítima. A Justiça não pode permitir ou se prestar a este fim. O Poder Judiciário não pode ser palco de humilhação contra quem quer que seja. Houve, repito, pelos trechos vazados, verdadeira afronta a dignidade da influencer.

Lado outro, o site induziu aos leitores leigos ou não, ao equívoco quanto a conclusão da sentença, afirmando, falsamente, que a sentença tratou o caso como “estupro culposo”, tipo penal inexistente, o que seria uma verdadeira aberração jurídica se assim fosse decidido.

O problema das manchetes panfletárias é que geralmente não expressam a verdade, tendo o intuito apenas de chamar a atenção dos leitores. Infelizmente, alguns periódicos, não presta a informação correta dos fatos, mas a distorção deles, trazendo, por diversas vezes, uma comoção social injusta e indevida.

Para aqueles que leram a sentença, verificou-se, como água cristalina, que o decisum absolveu o réu por ausência de provas, em momento algum há menção a expressão “estupro culposo”, a não ser na informação jornalística.

O estupro de vulnerável ocorre quando alguém tem conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tendo o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, segundo nossa legislação Penal.

No caso, importante destacar que fora realizado exame de alcoolemia e toxicológico que restaram negativos, portanto, não estava a pretensa vítima sob a influência de álcool ou entorpecentes.

Frise-se que, corroborando com a perícia técnica, com as imagens colhidas no inquérito e com perita ouvida em juízo, fez se consignar na sentença; “as imagens fornecidas pela Polícia Militar à fl. 3246, demonstram o momento em que a ofendida sai do estabelecimento Café de La Musique e se dirige ao Beach Club 300 Cosmo Beach. Da análise das imagens, é possível perceber que a ofendida durante todo o percurso mantém uma postura firme, marcha normal, com excelente resposta psicomotora, cabelos e roupas alinhadas e, inclusive, mesmo calçando salto alto, consegue utilizar o aparelho telefônico durante o percurso”.

E concluiu diante de todo acervo probatório, incluindo provas testemunhais, que “diante da ausência de elementos probatórios capazes de estabelecer o juízo de certeza, mormente no tocante à ausência de discernimento para a prática do ato ou da impossibilidade de oferecer resistência, indispensáveis para sustentar uma condenação” absolveu o acusado das imputações formulada na denúncia.

Não se pode perder de vista que o crime imputado ao réu é um tipo penal infame, sendo, a meu ver, mais grave do que o homicídio. Enquanto este ceifa a vida da vítima, aquele a mata um pouco a cada dia.

Do outro lado da moeda, um indivíduo que lhe é imputado um crime que não cometeu, que teve prisão decretada, carregara em sua alma a dor da injustiça, que equivale a arrumar um quarto, todos os dias, de um filho que já morreu.

Um erro não justifica o outro. As barbáries ocorridas na audiência, se não estavam descontextualizadas, já que foram pinçados apenas trechos, não podem justificar a condenação de um inocente. Tenho dito!

* Advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário
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Comentários

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Tião Aranha

07 de novembro, 2020 | 12:53

“O Marketing de influência deveria ser mais bem regulamentado pelo legislativo no tocante às regras que regem uma sociedade: uma coisa é ser influenciador digital, a outra coisa é ser um formador de opinião. No tocante à temática jurídica é sabido que nenhum juiz deve agir de ofício (por conta própria), isto é, não pode condenar sem ter as tais de 'provas cabíveis' dos elementos (provas materiais e testemunhais) que envolvem um processo, isto é, além de todas as partes ou pessoas envolvidas.”

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