21 de abril, de 2024 | 06:00

Novos tempos

Fernando Rocha

Desde que o inglês Charles Müller aqui desembarcou, em 1884, com uma bola cuja matéria-prima usada era de origem animal, apelidada de “capotão” (a câmara de ar era uma bexiga de boi), o futebol se popularizou até se transformar no esporte de maior visibilidade ou a “paixão nacional”.

Agora, devido à influência cada vez maior das redes sociais, o que se vê é uma falta de noção sem precedentes por parte dos torcedores, cujos humores variam com rapidez impressionante, de acordo o imediatismo dos resultados, sem entender ou dar a mínima importância às circunstâncias de cada momento vivido pelo seu time do coração.

As dificuldades existem, mas essa turma das redes sociais só enxerga facilidades que habitam apenas em suas mentes obscurecidas pelas postagens dos tais “influencers”, pseudos-jornalistas que, na busca desenfreada por “likes” e novos seguidores, disseminam notícias falsas, criam um clima onde nada presta além da vitória.

Delírio coletivo
Até mesmo os cronistas, que deveriam fazer críticas ponderadas, acabam entrando nessa onda de delírios dos reclamões, o que agrava ainda mais a situação.

O Atlético, apesar do terceiro lugar ano passado no Brasileiro, que lhe garantiu vaga na fase de grupos da Libertadores, em nome de um futebol com mais “rendimento”, trocou o treinador Felipão por outro como se muda de roupa.

O Cruzeiro foi pelo mesmo caminho, após perder o inexpressivo título estadual para o seu maior rival, e trocou quem tinha 60% de aproveitamento por outro que nem sequer possui no currículo uma passagem pelo comando de equipe profissional.

Claro que ninguém é perfeito, há de se considerar os erros de cada um, mas, na maioria das vezes, as críticas e os elogios são exagerados.

Basta ver o que foi dito sobre as mexidas do técnico do Galo, Gabriel Milito, após o empate com o Criciúma; ou os elogios, alguns pertinentes, mas a maioria sem fundamentação, ao técnico Fernando Seabra, pelo empate “heroico” do Cruzeiro contra o Fortaleza.

Nos dois casos, pelos comentários nas redes sociais, parece que o Atlético perdeu e o Cruzeiro ganhou; ninguém do time do Galo presta e todos do time azul estão no nível de seleção. São opiniões que mudam imediatamente após os resultados negativos ou positivos, sem se preocupar com as circunstâncias de cada caso.

FIM DE PAPO

Fora dos nossos grotões, o Flamengo é um exemplo clássico dessa onda de intolerância e de imediatismo que toma conta do país, impulsionada pela força das redes sociais. O rubro-negro não perdeu este ano, ganhou tudo que disputou até aqui, além de estar invicto, sofrer um só gol no estadual usando o time Sub-23. A equipe titular, com Tite à beira do campo, não foi vazada em 13 jogos disputados. Após duas rodadas, o Flamengo lidera o campeonato brasileiro ao lado do Internacional. Apesar disso, nas redes sociais dos rubro-negros só se vê reclamações que vão da imbecilidade até a intolerância explícita, sem considerar o péssimo futebol do time em 2023, ano em que nada ganhou.

O futebol imita a vida, mas como alguém escreveu trata-se da “coisa menos importante entre as mais importantes que existem”. Para entender o que se passa com os nossos torcedores, torna-se necessário ampliar a margem de observação sobre o comportamento atual da sociedade, pois nunca se viu na história recente deste país tamanha hostilidade que atinge todas as camadas sociais. Anteriormente, as discussões variadas, sobretudo sobre política e futebol, se resumiam ao seio dos grupos de WhatsApp familiares, mas agora chegaram com toda força às ruas, tomadas pelo ódio que se reproduz em xingamentos, tumultos, casos de preconceito, agressões verbais e física e até homicídios.

O que vemos estampado no Brasil de hoje não pode ser descrito como uma mera polarização política, que se estende ao comportamento das torcidas de futebol. Cada dia mais, vemos a expressão de uma latente e clara intolerância que atinge todos os níveis da sociedade e de diferentes formas possíveis no dia a dia. Estamos pintando o país em cores, estampando políticos no rosto de pessoas conhecidas, fomentando a violência e aumentando, cada vez mais, a intolerância.

Precisamos, de uma vez por todas, entender que as diferenças compõem a beleza da democracia. É importante que exista não somente o lado A, mas também o B, C, D, e por aí vai. Somos plurais! Infelizmente, estamparemos as marcas e cicatrizes de um presente conturbado que estarão nos livros de história, e que nós estamos construindo. Violência e democracia são palavras antagônicas, ou ao menos deveriam ser. “E o que isso tudo tem a ver com esporte? Nada. E tudo. Porque pobre de quem usa viseiras e se deixa levar pelo pensamento único ou pela paixão irracional”.Juca Kfouri. (Fecha o pano!)
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