12 de outubro, de 2022 | 15:45

Peirce explica as falhas das pesquisas eleitorais de 2022

Clotilde Perez *

"Aceitar o falibilismo implica compreender que a realidade está em crescimento, o que impõe que os métodos para captá-la, compreendê-la e divulgá-la também precisam estar"

Desde domingo, dia 2 de outubro de 2022, todos nós, pesquisadores vinculados às Universidades ou aqueles milhares de pesquisadores dedicados às pesquisas de mercado e eleitorais, ficamos inconformados, para não dizer perplexos, com as falhas nas previsões de intenção de votos nos candidatos à presidência do país, principalmente o percentual de votos destinados a Bolsonaro, e aos candidatos aos governos de vários estados brasileiros. Desde então, muitas razões foram levantadas e colocadas em debate, a partir dos próprios institutos, dos veículos, pelos cientistas políticos e pesquisadores. Podemos elencar algumas delas:

1) o chamamento do PT para o voto útil, na esperança de conseguir a vitória no primeiro turno, impactou em uma avalanche de votos em Bolsonaro;
2) os eleitores de Bolsonaro não respondem pesquisas ou dissimulam o voto;
3) as amostras utilizadas pelos diferentes institutos superestimaram os públicos mais pobres, concentrando os respondentes em eleitores com renda de até dois salários-mínimos, o que favoreceria Lula.

Certamente, são “boas razões” e, provavelmente, todas elas são uma parte da explicação, mas não toda. As pesquisas eleitorais são pesquisas quantitativas, planejadas estatisticamente, com amostra probabilística e previsão de erro (os percentuais para mais e para menos). Implementadas por meio de abordagens pessoais nas ruas das cidades ou por telefone, vêm sendo a base para debates, programas de governo, comunicação e escolha de candidatos, desde os inícios da nossa redemocratização. Há alguns anos, as previsões têm mostrado desvios importantes, e não apenas no Brasil, ainda que não tão expressivas como a deste primeiro turno eleitoral.

Não há qualquer dúvida sobre a seriedade de quase todos os institutos de pesquisa, principalmente aqueles com profissionais competentes e experientes, muitos deles, com uma vida dedicada à investigação social e política.

Também não há qualquer suspeita sobre a integridade das intenções dos contratantes de tais pesquisas, via de regra, veículos de comunicação e imprensa que demandam conteúdo qualificado para sua função primeira de dar visibilidade aos fatos e aos movimentos de toda a sociedade. Precisamos dos institutos de pesquisa e precisamos ainda mais que as pesquisas sejam divulgadas, debatidas, melhoradas. A questão é por que o erro foi tão grande?

"Há alguns anos, as previsões têm mostrado desvios
importantes, e não apenas no Brasil, ainda que não
tão expressivas como a deste primeiro turno eleitoral"


A resposta está nas reflexões teóricas de Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo e semioticista dos Estados Unidos, que há mais de 150 anos estabeleceu as bases de uma teoria completamente inovadora e potente, o Falibilismo. Por Falibilismo, do latim fallibillis, falhar, errar, entenda-se, de maneira bem simplificada, a certeza de que a realidade está em constante crescimento, portanto, mudando. Aceitar o falibilismo é estar aberto às novas evidências e reconhecer que qualquer afirmação justificada cientificamente hoje pode precisar ser revista ou iluminada pelas novas evidências, pelos argumentos inovadores e pelas novas experiências. Em outra perspectiva, o falibilismo, refere-se à consciência do grau em que as nossas análises, interpretações e tradições (hábitos) estão “temporalmente indexadas”, portanto, sujeitas ao arbitrário fluxo histórico de mudanças. Segundo O´Hear (1997, p. 251), “O falibilismo paira entre o modesto pensamento de que qualquer teoria pode estar errada e a proposição de que toda teoria mostrará, em algum momento, estar errada”.

Uma nova pergunta surge, a realidade está diferente hoje quando comparamos com quatro ou cinco décadas atrás? Sim, está dramaticamente diferente, guiada por conexões em rede, que estabelecem novas bases e fontes de informação, formação de opinião e fixação de crenças, além das identidades fragmentadas e o desamparo, sintoma do esfacelamento das instituições e afetos. As dinâmicas instauradas pelas mídias sociais, principalmente aquelas de comunicação instantânea como WhatsApp, telegram e outros, associadas aos tensionamentos das instituições tradicionais, criaram o terreno fértil para a disseminação de princípios e crenças edificantes, por isso, rapidamente cristalizados, mesmo, em muitas situações, frágeis em seus vínculos com a realidade ou com a história.

O que constatamos é que nenhum instituto de pesquisa tem metodologias adequadas para esta nova realidade. Aqueles que estiveram mais próximos dos fatos (intenção e voto na urna), empregaram métodos de captação das informações, a partir das redes; estes obtiveram métricas melhores, mas ainda assim, falhas. É provável que uma mistura de metodologias quantitativas, que mostram um recorte da realidade momentânea, mas não explicam o fenômeno, com robustas e multidisciplinares pesquisas qualitativas, sejam o caminho para a constituição de novos métodos de investigação, dentro das lógicas e dinâmicas do phygital. A pesquisa precisa estar onde estão as pessoas.

Aceitar o falibilismo implica compreender que a realidade está em crescimento, o que impõe que os métodos para captá-la, compreendê-la e divulgá-la também precisam estar. Peirce sempre soube disso.

* Professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Artigo publicado no Jornal da USP
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Comentários

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Tião Aranha

13 de outubro, 2022 | 08:17

“O resultado desta eleição está ligado a situação que a Economia passa de relevante ascenção, da influência das novas mídias ou meios de comunicação. Quem der mais leva: esse é o bom esse é o fino - é a bola da vez. A lógica é o Lula vencer, mas os filhos do Bolsonaro estão sabendo usar o Instagram e o Whatsapp como nunca foram usados. Sem falar o uso da Fé através dos pastores evangélicos. Os institutos de pesquisas são tendenciosos. Quem elege ou faz maioria são os pobres. As pessoas estão lendo tudo que sai nos jornais dando primazia aos formadores de opinião, principalmente os jovens e as mulheres. Risos.”

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