CADERNO IPATINGA 2024

15 de outubro, de 2022 | 07:00

Aos mestres, com carinho

William Passos *

Dulce Eleonora, professora de Português. Colar, cabelo curto e ruivo muito bem escovado. Explicava a matéria quase sussurrando. Ouvia-se o som do vento nas folhas das árvores no pátio. Professora de Francês do Liceu. Aula de elegância. Meu colégio era outro, 15 de Novembro, Proclamação da República. Na República, todas as crianças vão à escola. Ainda hoje não alcançamos a República no Brasil.

"Por que você não escreve sonetos?", perguntava-me Dulce Eleonora. "Sonetos são o tipo de coisa mais difícil de escrever", respondia. "Por isso mesmo. Quem escreve sonetos, escreve qualquer coisa", explicava Dulce com a sabedoria de quem desfrutava do último ano de magistério antes da aposentadoria.

Hoje escrevo qualquer coisa, inclusive sonetos. Quem escreve sonetos, escreve crônica dedicada aos professores, citando cinco que lhe marcaram, como Simara, professora de Inglês nos três anos do ensino médio. Uma graduação tecnológica em Simara. Guardo as apostilas dela, preparadas com muito carinho, até hoje. Lista de mais de 100 verbos irregulares é para toda a vida. Felizmente, já não precisam mais ser decorados antes da prova.

Tarso Ferreira Alves, professor de Filosofia. Fluente em grego antigo. Especialista em Platão. Derrubava coisas da mesa quando abria os braços. Fechava a porta da sala, mas nunca sabia abri-la.

"Conhece-te a ti mesmo". Jamais esquecerei a inscrição do Templo de Apolo, em Delfos. Nem a reflexão sobre o Mito da Caverna. Nem o conflito entre aparência e essência. Nem os debates sobre Metafísica, Verdade e Escatologia.

De origem grega, a palavra Filosofia significa “amor à sabedoria”. Professor Milton Santos, geógrafo brasileiro vencedor do prêmio Vautrin Lud, o "Nobel da Geografia", em 1994, foi professor do antigo segundo grau antes de seguir carreira acadêmica. Formado em Direito, dizia ter seguido o magistério porque "quem amava o conhecimento, era professor naquela época". Ontologicamente, se me permitem elevar o nível desta crônica, o magistério, de certa forma, é um casamento com o conhecimento e a sabedoria.

O problema é quando no casamento só tem amor. As contas não são tão românticas e a maioria dos nossos professores sequer recebe o piso nacional do magistério. Professor Alexandre, um colega de faculdade, disse certa vez na televisão que "professor não merece piso, merece teto". Verdade. Professores são metafísicos e quando partem deste mundo, permanecem escatologicamente em nossos corações, como Zé Maria, meu eterno professor de Climatologia. "Quando desliga o sol, a temperatura cai". Até hoje repito esta premissa. Zé Maria talvez fosse o único ser humano sobre a Terra que usasse a genial analogia do sol desligado para se referir à noite astronômica.

Lamento a ausência de espaço para mencionar nominalmente todos os meus professores, mas deixo a todos os professores do Brasil o desejo de perseverança neste importantíssimo trabalho. A semente plantada, quando frutifica, produz safra abundante. Esta crônica, e todos os meus outros textos, são parte da safra abundante dos meus professores de escola pública.

Por isso, agradeço, em especial, a todos os professores que, ao longo da minha vida, incentivaram-me a escrever. As palavras, para mim, são muito importantes. Escritas ou faladas, são o conflito menos irreconciliável entre alegria e dor, ilusão e desencanto, memória e esquecimento, luto e recomeço, na dialética permanente da construção, desconstrução e reconstrução da minha identidade.

10% do PIB para a educação, plano de carreira para todos os professores, biblioteca, quadra esportiva, merenda, laboratórios de informática e ciências, música, teatro, psicólogo e ar condicionado em todas as escolas.

*Colaborador do Jornal Diário do Aço desde 2019. Email: [email protected]
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Comentários

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Tião Aranha

16 de outubro, 2022 | 16:02

“Gildásio, os bons alunos nunca esquecem o bom professor que foi. Cristo quis ser mestre porque sabia que o ser humano é um ser corruptível. Até Deus arrependeu de ter colocado Saul para ser rei em Israel, mesmo o povo sabendo que Deus é o maior Rei-no se eles quiseram um rei. Imagina o povo brasileiro querendo um mito? Vamos torcer para que o eleito tenha lealdade e humildade e tenhamos pelo menos um governo razoável quando o assunto é poder. Enquanto isso, os mestres, continuaremos ter os ditos professores - não sei se por muito tempo - que estão imbuídos de lapidar e salvar almas, Vamos acreditar que o silêncio fala mais alto que as palavras, e qualquer palavra só tem significado se levar recado a mente, ao coração e ao espírito. Não haveria sons, sonhos e ideias se não fosse a leitura, esta inseparável companheira. Ninguém é dono absoluto da verdade: "os livros são meu alimento, minha vida e meu futuro". Quando lemos é Deus que fala conosco. Risos.”

Fábio Martins

16 de outubro, 2022 | 10:51

“Palavra alguma pode descrever a gratidão que sentimos aos nossos professores pela devota dedicação empenhada em nos passar os devidos conhecimentos através do ensino; afinal, por ser profissão que não se tem o devido reconhecimento em nosso país, ser professor por aqui já deixou de ser profissão, e passou a ser um ato de resistência no Brasil !”

Thais Constancio

15 de outubro, 2022 | 22:20

“Excelente texto! Português de encher os olhos. Parabéns pela escrita rica e sincera, pela fala poética e pela excelente ortografia, tão esquecida pelos nossos canais de impressa, que exibem erros grotestos de concordância e ortografia.
Sua coluna enriquece !!!
Em tempo, parabéns a todos que dedicam suas vidas ao ensino.”

Gildázio Garcia Vitor

15 de outubro, 2022 | 21:28

“Parabéns Sr. Tião Aranha! Hoje mesmo, tive o prazer de reencontrar dois ex-alunos, na Casa Globo, no Canaã, que estão, já faz tempos, escrevendo o Livro de suas vidas como empresários destacados em seus ramos de atuação.
Obrigado pelo comentário!”

Tião Aranha

15 de outubro, 2022 | 18:17

“Bom texto, mestre mesmo é aquele que leva o seu aluno além dos livros. Cada um no seu canto escrevendo o livro da sua vida. Risos.”

Gildázio Garcia Vitor

15 de outubro, 2022 | 15:05

“Muito obrigado, jovem Mestre! Feliz Dia dos Professores para você, também!”

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