18 de novembro, de 2022 | 12:00
O Espírito da Copa
Beto Oliveira *
Houve um tempo em que meses antes do início da Copa do Mundo os brasileiros sentiam no ar aquilo que ficou conhecido como o Espírito da Copa. Ruas enfeitadas, ansiedade para os jogos, palpites na escalação... Já há algumas Copas que esse espírito custa a chegar, o que rendeu uma excelente charge do cartunista Duke, que reuniu em torno de uma mesa um grupo de religiosos espíritas que evocam: Espírito da Copa, se estiver entre nós, dê um sinal!”.Talvez isso se deva ao aumento exponencial da quantidade de informações com as quais precisamos lidar diariamente. Com a internet e os smartphones somos bombardeados por estímulos e passamos a viver mais o momento atual do que qualquer acontecimento vindouro. Mas esse ano o brasileiro tem ainda outras barreiras que obstruem a chegada do Espírito da Copa.
Em primeiro lugar chama a atenção a falta de entusiasmo de muitos torcedores com seu principal craque, Neymar. Uns caçoam do tanto que o atleta se joga ao chão. Outros lembram seus problemas com o Imposto de Renda. Muitos ainda criticam suas posições políticas ou manifestações desastrosas como curtir um post que debocha da dependência química de Walter Casagrande. Um retrato dessa situação embaraçosa do torcedor brasileiro é a matéria de Sandro Macedo para o jornal Folha de São Paulo, que traz em sua manchete a frase: Como torcer pelo Brasil de Neymar, apesar de Neymar?”. Imagine isso, um tutorial para você torcer para a sua Seleção apesar do seu principal craque dentro de campo.
As cores e a bandeira que deveriam ser símbolos
de toda uma nação, acabaram rebaixadas a meras
peças panfletárias de propaganda partidária”
Outro obstáculo para o Espírito da Copa é o sequestro dos símbolos nacionais pelos bolsonaristas mais radicais. Já faz algum tempo que o próprio mercado vem se servindo dessa situação para oferecer em seus anúncios camisas que não vinculem o torcedor a alguma corrente ideológica ou política. As cores e a bandeira que deveriam ser símbolos de toda uma nação, acabaram rebaixadas a meras peças panfletárias de propaganda partidária. Além dos anúncios de camisas, outro retrato dessa situação se deu quando moradores do bairro Caiçara, em Belo Horizonte, enfeitaram a rua Francisco Bicalho como fazem em todas as Copas e sentiram a necessidade de pendurar uma faixa com o escrito: Não é política, é Copa”. Que fase, Brasil!
Como se não bastassem os problemas domésticos do torcedor brasileiro, a Dona FIFA” resolveu sediar a Copa do Mundo em um país que coleciona críticas e denúncias de organizações como a Humans Rights Watch. As leis nacionais abusivas que agridem os direitos das mulheres e dos LGBTQIA+ vêm sendo motivos de críticas e até mesmo de tentativas de boicotes com destaque para movimentos populares da Alemanha.
Para o torcedor mais progressista, que zela pelo respeito aos direitos humanos, é constrangedor vibrar com um torneio que tem sua organização, sua mascote e a construção de seus estádios administrados por um país como o Catar.
Na mitologia grega Medusa transformava em pedra todos aqueles que a olhassem diretamente no rosto. Perseu só conseguiu vencer Medusa com o auxílio de um espelho. Ao que parece, o torcedor brasileiro precisará torcer na Copa como Perseu, meio de soslaio, de viés, nunca encarando a Copa de frente, a enxergando sempre de forma oblíqua, por meio do reflexo em um espelho. Eu, que sou um entusiasta de Copa do Mundo, torço para que o Espírito da Copa vença esses obstáculos e até o fim de novembro consiga nos alcançar. Que tenhamos espelhos, malemolência, ginga e muita criatividade para driblar essa retranca assombrosa que paira sobre a Copa do Mundo de 2022.
* Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor dos livros O dia em que conheci Sophia”, As Cornucópias da Fortuna” e O Chiste”
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]