06 de janeiro, de 2023 | 14:00

Opinião: A submissão de civis à Justiça Militar no Brasil e a Constituição de 1988

Thiago Sus Sobral de Almeida *


Vivemos atualmente nossa sétima experiência constitucional (ou oitava para os estudiosos do Direito Constitucional que têm a Emenda Constitucional de 1969 como uma Constituição), pois o rol de constituições brasileiras se inicia com a Constituição do Império de 1824, após o que se seguiram as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e, finalmente, a vigente Lei Fundamental brasileira de 1988.

Em 1988 o constituinte originário não definiu o conceito de “crime militar”, remetendo à legislação ordinária essa incumbência. O assunto foi disciplinado pelo Decreto-Lei nº 1.001/1969, que instituiu o Código Penal Militar, sendo catalogados, nos seus arts. 9º e 10, respectivamente, os crimes militares em tempo de paz e os crimes militares em tempo de guerra.

Sob a orientação da atual Constituição de 1988, a competência da Justiça Militar Estadual para processar e julgar os militares dos Estados (CRFB, art. 125, § 4º) é restrita aos membros da caserna, sem a factibilidade de processamento e julgamento de civis em tempo de paz.

Porém, não tomou essa providência expressamente quanto à Justiça Militar da União – JMU, relegando à norma infraconstitucional os critérios de fixação da competência da justiça castrense da União e dando azo a inúmeras controvérsias entre juristas e no âmbito do próprio sistema judiciário do País.

A competência da jurisdição penal militar se restringia aos delitos própria e impropriamente militares previamente capitulados na legislação penal castrense. Quer dizer, ainda que um ato ilícito ou uma mera irregularidade contratual, por exemplo, fossem cometidos no âmbito da Administração Militar da União, se não estivessem expressamente previstos no CPM, não competiria à JMU o seu processamento e julgamento.

“A competência da jurisdição penal militar se restringia aos delitos própria e
impropriamente militares previamente capitulados na legislação penal castrense”


A nova redação dada ao inciso II do art. 9º do CPM pela Lei nº 13.491/2017 redefiniu o conceito de crime de natureza militar e expandiu significativamente a competência da justiça castrense, abarcando indevidamente delitos que outrora não lhe competiam, tais como: crimes ambientais (Lei nº 9.605/1998), crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), crimes da Lei de Tortura (Lei nº 9.455/1997), crimes previstos na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993).

O vácuo exegético e hermenêutico por quem tem a prerrogativa de dar a última palavra em termos constitucionais no Brasil, isto é, o Supremo Tribunal Federal – STF, tem gerado induvidosas distorções no sistema acusatório e jurisdicional brasileiro com a atuação e a ampliação desmedida pelo legislador derivado ordinário da competência da JMU de forma a preterir, a ferir e a usurpar as competências constitucionalmente já conferidas aos diferentes órgãos do Ministério Público e à Justiça Comum Federal.

Essa situação deve ser dirimida com a apreciação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) nº 289/DF e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 5032/DF pelo Plenário do STF, pois essas ações discutem fundamentalmente essa temática.

De toda forma, fato é que as Forças Armadas, a Soberania Nacional e/ou o Estado Democrático de Direito não são atingidos – em sua essência – por meras irregularidades contratuais ou pela prática de delitos ambientais ou tampouco aqueles previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, claro.

A esperança é que emane luz sobre isso dos átrios do Plenário de nossa Corte Constitucional!

* Advogado, pós-graduado em Direito e Jurisdição e Sócio Fundador do escritório Sus & Martins Advocacia [email protected]

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