08 de fevereiro, de 2022 | 14:50

O eleitor-mutante

Gaudêncio Torquato *


O brasileiro não tem a convicção de um anglo-saxão, para quem pau é pau, pedra é pedra. Dependendo do momento e das circunstâncias o pau pode ter a consistência de pedra a ponto de o homo brasiliensis jurar diante de um tronco de madeira que se deparou com uma dura rocha. Essa característica tem raízes no DNA do nosso povo, alegre e acolhedor, flexível e adaptável aos momentos.

Somos um povo de paz. Que procura harmonizar posições, tirando proveito das situações, piscando à direita e à esquerda. Não somos de pegar forte no trabalho, dizem. Conta-se, até, a historinha do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), em seu primeiro comício, no Largo da Carioca, no RJ idos de 1945: “brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povo, um ouvinte gritou: “vixe, já começou a perseguição”. O comício quase acabou.

O fato é que não cultivamos a semente das convicções. Somos afeitos às imprecisões. “Quantas horas o senhor trabalha por semana”? “Mais ou menos 36 horas”. “O senhor é católico”? “Sou, mas não vou à missa”. Petrolina não viu, até hoje, uma gota de petróleo de sua terra, nem Petrolândia ali perto. Quem leu Jorge Amado chega à conclusão de que a Bahia de Todos os Santos deveria ser apropriadamente chamada de Bahia de Todos os Pecados.

Já o gordo pernambucano Ascenso Ferreira, genial intérprete da nossa cultura, cantava: “Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? - Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”

Nada por aqui é definitivo. Há sempre um acréscimo, um “porém”, um drible dando curvas no foco das interlocuções. No terreno da teatralização política, isso é mais frequente. Daí a flexibilidade que mede as condutas do eleitor brasileiro. Não temos mais a lealdade que se via nos tempos da UDN e do PSD, partidos que dominaram a cena no passado. Há, hoje, uma intermediação de fatores a influir na decisão do eleitor.

O eleitor sobe à gangorra por meio de alguns empuxos. O primeiro é o bolso, garantido por um emprego ou adjutório com o qual possa ajudar a família. O segundo fator é a proximidade com o candidato, aqueles com melhores condições de suprir as demandas. O eleitor faz comparações. O terceiro é o discurso do candidato, aquilo que o diferencia de outros e que também tem condição de ser avaliado: será que este candidato fará mesmo o que promete? Por isso, o candidato deve demonstrar os meios para a execução de suas promessas.

“O eleitor sobe à gangorra
por meio de alguns empuxos.
O primeiro é o bolso”


A seguir, aparece o grupo de referências, as entidades e lideranças respeitadas da região, cujas opiniões sobre os perfis são ouvidas e respeitadas. A própria maneira de o candidato se apresentar – formas de vestir, de se locomover (a pé, de carro), de gesticular e se mover em palanques – chama a atenção. O espalhafato, nesses tempos mais tristes e de prevenção – afasta.

O Brasil da pandemia é capaz de encher as ruas com gente clamando por mudanças, o que funcionará como aríete contra os espetáculos falsos da política. O eleitor está mais apurado, mais exigente, mais desconfiado. As pesquisas mostram a inclinação do eleitorado para as mudanças. O alto índice de rejeição dos dois principais candidatos revela desinteresse pela política, um puxão de orelhas nos políticos e suas práticas. Programas eleitorais mostrando candidatos como produtos de consumo de massa, com a imagem construída via efeitos cosméticos, podem ser um bumerangue.

O que se vê hoje no cenário é um triste retrato da longa distância que separa os anseios do povo do discurso dos candidatos. Não existe a menor conexão entre o recado das massas, esse ativismo ansioso que corre pelas redes sociais, viagens e falas vazias dirigidas a pequenos públicos escolhidos pelas assessorias. Maior prova é este início de campanha gelado, de acusações recíprocas e desprovido de engajamento.

Por último, o espírito do tempo, o vento da mudança. Quando o vento corre para um lado, ensinava meu saudoso pai, ninguém desvia sua direção.

* Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato. www.observatoriopolitico.org

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Comentários

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Gildázio Garcia Vítor

09 de fevereiro, 2022 | 14:14

“Os eleitores são "mutantes" em todos os países democráticos e com sufrágio universal. No caso do Brasil, os cidadãos ainda valorizamos muito mais os políticos que os partidos nos quais eles estão filiados. Nem precisamos sair do Vale do Aço para exemplificar: o Chico Ferramenta era (?) maior que o PT em Ipatinga. E o Lulismo no Brasil?
Para mim, grave mesmo, no Brasil pós-redemocratizaçação, são os "políticos-mutantes", como a maioria daqueles que se autodenominam como do campo ideológico das Direitas, o popular Centrão. Só não sei se isso tem a ver com o nosso DNA, citado pelo articulista, que está entre os maiores do país.”

Tião Aranha

08 de fevereiro, 2022 | 18:58

“O jornalista guarda muitas histórias políticas pra contar. As campanhas de antigamente tinham muito mais emoção porque os partidos políticos não tinham a organização que têm hoje. O Salmo 32 fala que o problema surge quando o homem encobre o pecado.”

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