22 de março, de 2022 | 14:05
Nós também temos. E como!
Nena de Castro *
Aos nove anos, morando em um povoado abaixo de Mantena chamado Tipiti, no Contestado, eu já tinha lido um considerável número de livros, incluindo Histórias Infantis, Almanaques do Biotônico Fontoura, Literatura de Cordel, os preciosos gibis dos meus irmãos comprados na distante GV, a Bíblia toda (menos Salmos e Provérbios) e até as revistas de contos criminais de meu pai, chamadas X-9 e Meia Noite, que eu pegava escondido num baú onde ficavam guardadas. Lia qualquer coisa, até papel achado na rua; no povoado onde morávamos não tinha banca de revistas ou biblioteca, a Escola era Singular, isto é, todas as séries tinham aula ao mesmo tempo, com um só professor, o meu se chamava seo Dativo, era um homem magro e alto que se virava nos trinta e dava conta de tudo e todos, passava problemas para o 4º ano, punha o terceiro para copiar um texto, o segundo fazia a leitura e o primeiro aninho lia o abecedário e trabalhava sílabas. Uma turma esperava a outra terminar sem problemas, também era um outro mundo e outro tempo em que os professores eram obedecidos e amados.Porém, lá, nunca li algo mais extraordinário do que um livro que me caiu nas mãos contando as façanhas do Barão de Münchhausen (Munkausen) mostrando um personagem aventureiro e ousado, que tinha o costume de reunir seus melhores amigos em grandes banquetes, para lhes contar aventuras maravilhosas, como a da lebre de oito patas, a do veado que vê crescer uma cerejeira no meio de seus chifres ou na época em que caçava um bando de patos com pedaços de toucinho. Nada era impossível ao herói que montou numa bala de canhão para ver o castelo do inimigo e voltou em outra, do adversário, informando ao seu comandante o que vira por lá.
Indo para a Rússia usando seu cavalo para puxar um trenó, foi atacado por um lobo que devorou o animal e ao fazê-lo, ficou preso nos arreios. O Barão não teve dúvida, chicoteou o lobo que o levou a Leningrado. Foi à lua, claro, (isso no séc. XVIII, quando a NASA nem existia) e travou relações com o rei do satélite, onde viveu muitas aventuras. Ah, de certa feita, o miserento afundou em um pântano com seu cavalo e salvou a si e à sua montaria, puxando a própria peruca!!! O filósofo alemão Nietzsche fez uma referência a essa história no aforismo 21 de Além do Bem e do Mal” para argumentar contra a tese do livre arbítrio.
O pior é que o cara existiu mesmo, chamava-se Hieronymus Karl Friedrich von Münchhausen nascido em 1720 em Bodenwerder. Durante a juventude. Münchhausen serviu como pajem de Anthony Ulrich II, Duque de Brunswick-Lüneburg, e mais tarde entrou para o exército russo, onde serviu até 1750, participando em particular de duas campanhas contra os turcos. Ao retornar para casa, reunia os amigos para contar várias histórias extremamente exageradas sobre suas aventuras; ganhou a fama de maior mentiroso do mundo. Suas histórias foram compiladas por Rudolf Erich Raspe e publicadas em 1785.
Talvez meus amados cinco leitores queiram saber causa de quê nunca me esqueci desse personagem: é que as tramas políticas não deixam, no nosso país acontecem coisas do balacobaco e do arco da velha, perpretadas pelos nossos ínclitos políticos. Nunca há dinheiro para pagar o direito dos professores, para melhorar o Sistema de Saúde, dentre outras mazelas, mas há boladas para os partidos, para os deputados e senadores turistas, para aposentadoria especial... Ah, e as carinhas cândidas com que justificam seus atos deixam o Münchhausen estabacado, abobado, paralisado, mesmo sendo ele um mentiroso contumaz. Então vejam o que escreveu o grande poeta mineiro:
Implosão da mentira
(Affonso Romano de SantAnna)
Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem sobretudo impunemente.
Não mentem tristes,
alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acho que mentindo história a fora
vão enganar a morte eternamente.
...
Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente.
As eleições estão às portas! Oxalá saibamos escolher! E nada mais digo! Z Au revoir.
* Escritora e encantadora de histórias
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Tião Aranha
22 de março, 2022 | 20:00As três categorias que mais mentem: caçador, político e pescador. A mentira é a melhor ferramenta para esconder a verdade. Risos.”