19 de abril, de 2022 | 13:42

Assim também não, ara!

Nena de Castro *

Hoje eu estava cuidando das minhas amadas plantinhas, corta aqui, cutuca a terra da raiz, tira folha seca, põe adubo e, de súbito, eu me lembrei de uns casos de quando prestei serviço na Defensoria Pública. Foi uma época de trabalho insano, vez que a demanda era grande, muitos casos para dar entrada através da petição inicial, contestações, contrarrazões de recurso... Atendíamos principalmente na área de Direito de Família e tome divórcio, separação, interdição, adoção, reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, investigação de paternidade e claro, Ação de Alimentos. O atendimento começava ao meio dia, ali pelas 13:30 íamos para as audiências no Fórum, urgia verificar se nossos clientes já estavam no recinto, se as testemunhas tinham comparecido... às vezes tínhamos que acalmar nossa cliente, ou lembrar ao pai exaltado que não queria prestar alimentos aos filhos, das suas obrigações.

Uma época, dos 10 advogados que trabalhavam lá, ficamos apenas eu e o Jacyr Guidine na área cível e o grande Joel Lacerda na penal, o sufoco era tão grande que numa tarde, fizemos 14 audiências e saímos do fórum chamando urubu de meu louro, de tanto cansaço! Já contei para meus 5 amáveis leitores a aventura de ficar sem gasolina ali na entrada do Bairro Ferroviários, celular ainda não existia aqui, então  caminhei até à Estação Ferroviária para ligar (usando fichas no telefone público) pro meu marido me socorrer e quando voltei ao carro, encontrei umas moças iniciando o turno de trabalho à beira do asfalto e fiquei lá, com cara de tacho  até que o socorro chegasse. Tínhamos clientes de todo tipo, alguns humildes e educados, outros estourados e chatos, todavia, fazíamos de tudo para atender bem, só me lembro de perder a paciência duas vezes e correr com dois valentões que queriam me intimidar.  Além de atender, dávamos passes pras clientes pobres, o Brad Pitty aqui de casa buscava testemunhas em casa ou levava clientes era uma loucura!  Uma vez fomos a um morro buscar uma cliente e encaminhá-la para a reunião do AA. No entanto, o caso mais peculiar que tive foi de uma senhora, já bem idosa, que tendo vivido com um companheiro por muitos anos, queria ajuizar ação para supostos direitos sobre um seguro. Eu anotava o que dizia e observei que ela delirava, falava sozinha de olhos fechados, então chamava-a pelo nome e perguntava o que precisava.

No fim, me forneceu o nome de uma testemunha, não sabia o endereço, perguntei se levaria uma carta pedindo o comparecimento da pessoa, ela disse que sim, escrevi a carta e quando lhe entregava, recomendei que não se esquecesse de entregar, pois era muito importante. Ela disse que não podia, pois a tal testemunha já tinha morrido. Puxei a carta da mão dela e comecei a inquirir sobre alguém vivo, pois decerto  esse aí não podia comparecer... Ah, esqueci de mencionar que dona Neneca já tinha um novo companheiro, um sujeito bem mais novo, com cara de doente pinguço, que andava sempre bêbado. Um dia, após um atendimento penoso, por causa das “variadas” da cliente, eu me levantei para leva-la até a porta, quando o ouvi sua pergunta: dotôra, como faço pra tirar uma arma lá de casa?

Espantada e preocupada, pensei que o pinguço tinha comprado um revólver! Podia se ferir, um podia matar outro. Então me dirigi a ele, em voz alta e falei: o senhor tá doido? Tem uma arma? Sabe que pode ser preso??

E ele, candidamente: né eu não dotôra: a NENECA É QUE TÁ CISMADA QUE O FINADO TÁ APARECENDO NA SALA LÁ DE CASA! Segurei o riso e aconselhei a cliente a rezar pra alma do falecido pra que descansasse em paz.  Fui então à sala do diretor e pedi demissão caso tivesse que fazer exorcismos e tirar “armas” da casa dos outros. Afeeee!

E nada mais digo a não ser que envio um abraço para os advogados Jacyr Guidine, Joel Lacerda,  Maria Emília Salvador, Geraldo Vasconcelos, Wilson Alves Lacerda e todos os demais companheiros de jornada daquela época!

* Escritora e encantadora de histórias

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Comentários

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Tião Aranha

19 de abril, 2022 | 19:23

“Lidar com o povo tem que ter muita paciência e sensibilidade. É um constante processo de crítica - auto-critica. Ridos.”

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