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27 de abril, de 2022 | 14:26

Não são apenas números

Marcus Vinícius de Souza *

Vinte e duas redações receberam nota mil, 95.788, nota zero, e a média geral de 634,16. Esses números se referem à prova de redação da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao analisar esses dados, quais são as observações, ponderações e preocupações podemos fazer? Tais índices transcendem o Enem e fazem ecoar um sistema educacional repleto de fissuras, sobretudo, a partir dos efeitos que a pandemia de covid-19 trouxe, e traz, para a performance dos estudantes brasileiros em exames, provas, e, indubitavelmente, no mercado de trabalho e, o mais importante, em suas próprias vidas.

Como base numa leitura superficial desses índices divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), fica nítida a disparidade quanto à capacidade de produção textual dos estudantes brasileiros. A mediocridade e a insuficiência gritam, nos ouvidos dos pais, das escolas e dos próprios alunos, enquanto a excelência, tímida em um canto, se encolhe. Os reflexos desse nefasto cenário certamente se tornam mais preocupantes quando associamos tais dados aos 38% de universitários que se encontram na condição de analfabetos funcionais e aos 50% de estudantes brasileiros que fizeram o último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no que tange à habilidade de leitura e interpretação de textos, classificados no nível 1, ou seja, o mais baixo dessa avaliação.

“A mediocridade e a insuficiência
gritam, nos ouvidos dos pais, das
escolas e dos próprios alunos,
enquanto a excelência se encolhe”


Além disso, os efeitos pandêmicos já começam a pedir passagem. Basta verificar as notas da maioria do corpo discente em avaliações escolares neste primeiro trimestre de 2022 para se ter uma ideia do tamanho da defasagem educacional – em todos os sentidos deste termo. Tal contexto vai se desenhando como um enorme desafio para os professores, afinal são eles que se encontram na linha de frente – expressão muito comum nos últimos anos – do sistema educacional, antes mesmo de reformas, legislações e algumas utopias pedagógicas protagonizarem.

Jogar a culpa na pandemia seria uma atitude bem simplória. No caso da educação, essa mazela apenas robusteceu problemas que estão instalados no país há alguns anos: o déficit educacional, a evasão escolar e o lugar da escola enquanto instituição social no século XXI. O período pandêmico deu um zoom nos entraves relacionados à formação do estudante brasileiro, seja do sistema público, seja do privado. De fato, o que o público infanto-juvenil fazia detrás de telas que se mostravam, por vezes, escuras? O que acontecia em seus quartos durante as aulas virtuais? Como eles encaravam as avaliações escolares? Como eles encaravam a si mesmos durante o novo normal? Será que havia preocupações reais quanto a esses (in)ofensivos contextos?

“O período pandêmico deu um zoom
nos entraves relacionados à formação
do estudante brasileiro, seja do
sistema público, seja do privado”


Vale ressaltar, ainda, que o déficit na aprendizagem, nítido a partir de 2021, vai trazer, e já está trazendo, defasagens ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Haverá, quem sabe, em muitas pessoas, certa sensação de tempo escolar perdido e de baixa capacidade cognitiva. Como gestores de ensino, gerenciadores de carreira e empresas vão lidar com isso? Pelo jeito, o futuro exigirá muito mais que planejamento. Encontrar um lugar no mundo para os futuros adultos não será, apenas, conquistar uma carreira, ter dinheiro, mas, de fato, saber como construir maturidade psicoemocional para lidar com uma sociedade que atravessa uma enorme transição.

Como professor de redação, percebo que, nos últimos dois anos, o número de alunos que me procuram para fazer uma preparação para a prova do Enem e dos vestibulares tem apresentado, inicialmente, muitas dificuldades para se expressar por meio da linguagem escrita.

Conseguimos, no Enem 2021, ter uma média de 930 pontos na produção textual. Isso foi conquistado por meio de uma parceria que fizemos, construída a cada semana, a cada texto entregue pelos alunos, a cada correção, a cada conversa. O trabalho foi árduo, de muita resiliência, mas rendeu bons resultados. Não houve fórmulas mirabolantes nem milagres para se atingir tais números. Infelizmente, o retrato do país não terminou com a mesma satisfação.

* Professor, escritor, mestre em Estudos de Linguagens e Oustanding Educator pela Universidade de Chicago, nos EUA

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Comentários

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Tião Aranha

30 de abril, 2022 | 19:22

“A busca dum padrão comum deve ser buscada em cima do que o Estado oferece como recursos básicos de sobrevivência ao cidadão comum, partindo de uma mudança premente dos paradigmas da política atual. Qualquer mudança na Educação tem que começar com a valorização do professor. A crise geral (+ política que econômica) precisa ser mudada, de baixo para cima, e não de cima para baixo, como quer os tecnocratas. Risos.”

Gildázio Garcia Vitor

27 de abril, 2022 | 21:25

“Excelente análise! Parabéns!”

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