
15 de novembro, de 2008 | 00:00
Debaixo da ponte. Literalmente!
Família entende que a única esperança é a providência divina
IPATINGA - Eliane Lemos Gomes da Silva tem 40 anos e é mãe de seis filhos. Desde os 12 anos nas ruas, diz ter perdido a noção do tempo e nem se deu conta que há 28 anos esteve poucos meses dentro de uma casa e fora das calçadas, marquises de lojas, praças ou mesmo de uma ponte, como está há oito meses, em um barraco de madeirite e papelão, improvisado debaixo da ponte na entrada da avenida Guido Marlière, no bairro Iguaçu. É ali que mora com o marido e mais três filhos. Vinda de Ataléia, no Vale do Mucuri, na região de Teófilo Otoni, ela está em Ipatinga desde os oito anos. A maioria dos seis filhos que teve apresenta problemas graves de saúde. O caçula (Eliane evita entrar em detalhes) foi parar em um abrigo da cidade, mas ela não sabe onde. Eliane conta que depois de perder pai e mãe, aos 12 anos, nunca mais teve casa e sempre encontrou lugares para morar na rua. Toda vez que tentei morar em um barraco tive que agüentar desaforos por não ter dinheiro para pagar aluguel”, explica. Eliane disse que já tentou entrar na fila da habitação popular, mas nunca conseguiu. Na época do João Magno - prefeito de 1993 a 1996 - tentei uma vez, mas não consegui e não voltei a procurar”, conta. Foi também por falta de condições para pagar aluguel de um barraco no Game que há oito meses a família toda foi parar debaixo da ponte na entrada da avenida Guido Marlière. Para sair daqui, a nossa única esperança é a ajuda divina, porque já cansamos de esperar por outra coisa”, afirma. Enquanto a mãe explicava sua situação, a filha mais nova, Érica, 7 anos, acrescentava que já está na escola, onde diz se sentir feliz e aprender muito. Esperança Um dos filhos de Eliane é Lúcio Gomes, 19 anos. Foi Lúcio quem viu a reportagem do DIÁRIO DO AÇO a fotografar as margens do ribeirão Ipanema e perguntou se não haveria interesse na história de sua família. Quem passa por aqui não imagina o que tem aqui debaixo”, afirmou. O rapaz explica que a grande esperança é que sua família um dia ganhe uma casa da Prefeitura. Sem ter onde morar, Lúcio também nunca se firmou na escola. Não concluiu o ensino fundamental, mas reconhece a falta que os estudos lhe fazem e promete buscar uma alternativa no Centro Estadual de Supletivo e Educação Continuada (Cesec).Dentro da casa improvisada, que a família fez questão de mostrar, só há um cômodo. Quando passa um veículo sobre a ponte o barulho é enorme. Há uma cama de casal em um canto e várias outras camas, limpas e com lençol. O piso é todo coberto por papelão. O que não achamos jogado no lixo ganhamos das pessoas nas ruas”, conta Lúcio. RecicláveisO marido de Eliane é Edson Paulo Silva, 42 anos. Ele conta que vive de catar papelão e outros materiais recicláveis pelas ruas de Ipatinga. Confirma que o dinheiro é pouco, mas garante que dá para a alimentação da família, embora os preços dos materiais tenha caído neste fim de ano. Só não dá para pagar aluguel. Tinha esperança que a Prefeitura nos desse uma casa ou então que o Gugu atendesse os pedidos de uma carta que enviamos ao SBT e nos melhorasse a condição”, diz o catador de papelão.Sua insistência sobre o dinheiro suficiente para alimentar a família é constante mas, aliado a isso, renova a esperança de que possa ser atendido por um programa de TV que dá prêmios e resolve a pobreza”. Quando recebeu a reportagem, a família mantinha aceso um fogão a lenha com latas de óleo utilizadas como panela. Lá, a comida que sobrou do almoço era mantida aquecida nas latas escurecidas pela fumaça.Somos o que vocês chamam de excluídos”Junto à família está João Amaral dos Reis, que diz ter 34 anos. Cego dos dois olhos, conta que perdeu a visão aos 30. Informa que foi acometido de uma repentina dor de cabeça e, dias depois, estava cego. Reclama da falta de ajuda e do pleno abandono. A única ajuda que temos aqui é de Deus”, conclui. João lembra que Ipatinga é uma cidade-modelo, mas que também tem grandes problemas como o da família, que nunca conseguiu se inserir nem foi beneficiada pelo desenvolvimento do município. Com o pagamento do benefício previdenciário suspenso temporariamente, João espera voltar a receber os R$ 415 a partir de dezembro. Fui lá e perguntei por que cortaram minha aposentadoria e apenas me disseram que meu pai e minha mãe, no bairro Limoeiro, recebiam o benefício”, denuncia. João Amaral lembra que vive em uma cidade tida como referência em termos de desenvolvimento humano em Minas Gerais, mas disse que nunca experimentou dessa realidade. Aqui somos o que vocês chamam de excluídos”, conclui João Amaral.Alex Ferreira
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