21 de agosto, de 2010 | 22:50
Fotografia: 170 anos
Modernidade digital é a principal discussão entre fotógrafos
IPATINGA As fotografias guardam momentos, retratam fatos, propõem reflexões. Nesta semana, mas precisamente no dia 19, comemorou-se o Dia Mundial da Fotografia que completou 170 anos. Talvez pelo fato de já termos nos acostumado a ter acesso à tecnologia, muitas vezes não enxergamos a real importância da fotografia em nossas vidas. Você conseguiria imaginar como seria a vida sem a fotografia?
Seja para registrar qualquer situação, lá estão as câmeras fotográficas: pequenas, grandes, profissionais ou não, analógicas, digitais, embutidas no celular.
A ideia da fotografia surgiu por volta de 350 a.C, quando o filósofo grego Aristóteles criou um método de observar os eclipses solares sem prejudicar a visão: a câmara escura. Aristóteles fez um pequeno furo na câmara, no qual a luz passava e formava a imagem em seu interior. Este método foi importante pelo fato de ter sido por meio dele se conhecer os princípios óticos.
A câmara escura foi a primeira máquina fotográfica da história. Com seu aperfeiçoamento, como a criação de lentes, por exemplo, o que proporcionou imagens mais nítidas, surgiu outra necessidade: a de fixar as imagens.
Thomas Wedgwood deu um importante passo nesse sentido, tendo usado, no início do século XIX, a substância química nitrato de prata para fixar as imagens da câmara escura. Entretanto, este processo durava várias horas. Outros nomes importantes na história da fotografia foram Louis Jacques Mandé Daguerre, que passou a usar vapor de mercúrio e tiossulfato de sódio na fixação das imagens, o que reduziu o tempo de revelação para apenas alguns minutos; além do inglês Willian Henry Fox-Talbot, que criou um eficiente mecanismo de fixagem, o qual produzia os famosos negativos”.
Falando especificamente das câmeras fotográficas, podemos dizer que tais dispositivos surgiram no final do século XIX, por meio de George Eastman, fundador da Kodak Company. Eastman teve a ideia de criar uma longa camada de nitrato de celulose, e a cada foto, tal camada era enrolada em uma espécie de carretel. Por um preço de 25 dólares, as câmeras de Eastman ficaram conhecidas pela sua simplicidade: bastava que o usuário apertasse o botão e pronto. Tal fato foi importante para a difusão das câmeras fotográficas em todo o século XX.
Chapa
João Antônio Augusto, 55, conhecido como Gravatinha, é fotógrafo aposentado. Quando começou a fotografar há 40 anos, ele chegou a conhecer aquelas antigas máquinas do modelo caixote”. Ele conta que naquela época para se fazer a foto, a pessoa tinha que combinar antes qual tamanho queria, para que o fotógrafo pudesse fazer a chapa de vidro, no tamanho desejado da foto. Depois disso, a gente levava essa chapa de vidro para essa máquina, regulava o foco e aí se fazia a foto. O interessante é que a gente tinha a imagem invertida na lente da máquina. Nesta época para fazer um retrato, não se gastava menos que quarenta minutos”, relata.
Gravatinha ainda explica que quando tinha a necessidade da utilização do flash, o processo era ainda mais complicado. A gente armava um equipamento conhecido como bengala”, e enchia aquilo de pólvora e nitrato de prata. E na hora de disparar a foto, a gente riscava um isqueiro que ficava na ponta desta bengala e por isso fazia aquela explosão, que era o flash. Em um casamento, não dava para fazer mais que três fotos”, lembra.
Técnicas antigas
Gravatinha conta que mesmo sem os recursos atuais, quando ainda era comum a utilização dos filmes era possível fazer retoques, colocar cores nas fotos e até envelhecer uma fotografia, tudo isso na hora da revelação.
Para deixar colorida uma fotografia, Gravatinha pintava com lápis de cor e depois passava batatinha por cima, para que as cores se fixassem. A seiva da batata com a química do lápis de cor, gerava um fixador. Mas, cada um usava uma técnica que não era repassada para ninguém”, recorda.
João Antônio conta também que na década de 70 a moda da foto envelhecida estava no auge. Ele explica que para dar este tom na fotografia era usado mercúrio em água fervente e se passava a imagem por cima do vapor. A gente chamava esse processo de viragem. Quando a gente virava a foto, ela já estava em tom de sépia, ou seja, envelhecida”, explica.
Para Gravatinha, a era do digital veio somente para tornar mais rápido e prático o processo de se fazer uma fotografia. Na opinião dele, as fotos feitas com filmes eram mais nítidas e de melhor qualidade. A gente trabalhava com quatro cores primárias, vermelha, verde e azul e a partir destas se tinham 139 milhões de tons. Com a digital, tem-se somente 19 milhões de tons. Um filme mal guardado dura 15 anos. Já com o processo digital não se tem segurança da duração da foto. Ela pode ser deletada, o cartão de memória pode falhar e ainda se pode contar uma mentira, se for manipulada”, opina.
Sobrevivendo à era digital
As máquinas digitais chegaram aos Estados Unidos em 1994 e só 6 anos depois no Brasil. Com a nova tecnologia, profissionais que queriam sobreviver no mercado fotográfico se viram obrigados à se adequar a mais uma evolução.
Quem nunca viu ali na Praça 1º de Maio, os famosos lambe-lambes”. Antigamente eles usavam uma máquina montada sobre um tripé de madeira ou de metal. Parte destes profissionais se aproveitava de datas especiais como aniversários, casamentos e pequenos passeios nos parque para registrar tudo em preto e branco.
Com um improvisado laboratório, fazia a revelação dos negativos no mesmo local, quando não os levava para casa, a fim de entregar as fotos depois de alguns dias. Para sobreviver à era da modernidade o jeito que o fotógrafo Pedro Lourenço Policarpo, 45, achou para não sair do mercado foi comprar uma câmera digital e uma impressora. Hoje, o fotógrafo ainda permanece no ramo, com o lucro de fotografias para documentos. Mas, perdi espaço nos casamentos e aniversários. Meu lucro não é o mesmo de antes, quando eu tinha até três aniversários para fotografar. Para não ficar de fora tive que acompanhar a evolução”, afirma.
O mesmo ocorreu com a família de Thamar Rodrigues. Ela e a mãe possuem uma agência fotográfica há 40 anos em Ipatinga. A agência é conhecida pelas produções em estúdios, aniversários, eventos e casamentos. Segundo Thamar, a mudança para a era digital foi gradativa, isto porque segundo ela os equipamentos eram caros e não podia arriscar a fazer a troca de uma vez.
Custos
O digital não veio para baratear o processo, pelo contrário, é mais caro e mais trabalhoso e o resultado é melhor. Nós fomos aderir à nova tecnologia em 2004, quando as câmeras começaram a ficar mais acessíveis e naquela época uma câmara digital custava em torno de R$ 10 mil e para cada equipamento em uso tem que ter um outro reserva. Essa migração foi feita por etapas, utilizando em conjunto o equipamento de filme e o equipamento digital. O investimento foi muito alto, mas paulatino, e aos poucos foi feito a transição com a troca dos equipamentos”, conta.
Thamar disse que antigamente era mais rápido para entregar um álbum do que com a modernidade do digital. Antes a gente tirava as fotos, dava uns cinco dias para a provinha ficar pronta, mostrar para o cliente. Ele escolhia e a foto era revelada do jeito que foi tirada. Agora, não. Com a digital, a foto precisa ser tratada, retocada, melhorada, com programas como o photoshop, e depois revelar. Então se demora mais para entregar um álbum do que antes”, informa.
Na opinião de Thamar, a fotografia tende a evoluir para a impressão. Acredito que em pouco tempo, o processo de revelação vai chegar definitivamente ao fim e dará espaço para a impressão de fotos. Nós já trabalhamos com isso no fotolivro”, disse.
Fotógrafo cria próprio conceito de fotografia
Formado em jornalismo, Rodrigo Zeferino seguiu a carreira de fotógrafo. Ele está na profissão há doze anos. E ao longo destes anos conquistou espaço com a fotografia artística. Um dos seus principais trabalhos são os ensaios: Revelações, Arredores, Comida, Ocupação e Noite Cega.
A foto em destaque é um dos trabalhos de Rodrigo, Ocupação. O ensaio trata-se de um documentário imaginário e propõe uma reflexão sobre a fotografia e a formação da imagem e da luz. A ideia é a luz como formadora da imagem que é específica da fotografia. Essa mancha luminosa no meio da foto é como se fosse um ruído, mas ao mesmo tempo a luz que é ruído é o que forma a imagem. E é uma reflexão metalingüística”, explica. Em entrevista ao DIÁRIO DO AÇO, Rodrigo falou sobre os seus conceitos em fotografia e o mercado para a fotografia artística.
DIÁRIO DO AÇO - Porque a fotografia lhe chamou a atenção?
RODRIGO ZEFERINO - Nossa, difícil essa pergunta (risos). Eu tenho lembranças de bem novinho de ver fotógrafos nas ruas em casamentos e aquilo me chamou atenção. A fotografia me proporcionou um trabalho, mas ao mesmo tempo queria alguma coisa a mais para poder me expressar. O que mais me atraiu foi isso: o fato de eu ter um trabalho, e uma forma de me expressar artisticamente.
DA - Você é jornalista, já foi repórter fotográfico e hoje um fotógrafo artístico. Como foi essa transição?
RODRIGO ZEFERINO - O fotojornalismo é muito cruel e às vezes não tem um motivo real para estar fotografando. É sempre uma coisa pequena, para preencher as paginas do jornal. Tinha dia que era interessante. Isso me deixava refletindo sobre o que eu queria. Foi um processo gradativo, natural. Trabalhei quatro anos com jornalismo, mas tinha meu tempinho para apurar a minha técnica, desenvolver novas ideias. Quando percebi que podia me sustentar com a fotografia comercial eu larguei o jornalismo. Meu objetivo é poder me sustentar com a fotografia artística.
DA - Qual o seu conceito de fotografia?
RODRIGO ZEFERINO - Meu trabalho é arte contemporânea que privilegia ideia. O meio que tenho para me expressar é a fotografia. Olho para o mundo sempre refletindo sobre as coisas que eu vejo e se as pessoas vêem do mesmo jeito. Tento trazer coisas escondidas à tona. Mesmo que eu fotografe uma coisa que já existe, tenho um objetivo que é de provocar uma reflexão das pessoas que estão vendo.
DA - É difícil falar” através das fotos?
RODRIGO ZEFERINO - Não é tão difícil para mim que faço isso há muito tempo. Mas, cada ideia tem que ter uma forma diferente de transmitir. É até um pouco angustiante ao pensar em como evoluir, melhorar e principalmente para o mercado artístico aprovar.
DA - É difícil conquistar espaço com a fotografia artística?
RODRIGO ZEFERINO - A fotografia está passando por um momento favorável na história. Quando a fotografia surgiu no meio do século XIX foi muito criticada pelos artistas, porque vinha como forma de substituir a mão. Tinha lá os pintores que pintaram os retratos e estudavam para melhorar e vem a fotografia e muda tudo e faz perfeito. A arte não aceitava isso. Era arraigada ao talento do pintor. Isso durou muito tempo. Lá no final da década de 1970 é que a fotografia começa a ser aceita como arte. Até então a fotografia era marginalizada. Hoje creio que a gente esteja no auge. Mas, no interior ainda é muito difícil.
DA - O que se espera da evolução da fotografia?
RODRIGO ZEFERINO - Uma coisa que está acontecendo são as imagens produzidas digitalmente que misturam fotografia com computação gráfica. Mesmo que pareça meio superficial, é uma imagem forte. Este intercâmbio da imagem fotográfica com a imagem construída digitalmente vai evoluir um pouco e tem outras coisas surgindo como imagens holográficas que antigamente só se via em filme. Acho que ainda vamos ter coisas meio futuristas no meio da fotografia.
Manipulação do real
Professor de fotografia atenta que manipulação da imagem pode dar um entendimento negativo
O professor de fotografias do Centro Universitário do Leste de Minas (Unileste-MG), Rogério de Souza, explica que a fotografia possui duas linhas de entendimento: a verdade do que foi fotografado e o indício do real. Com isso ele quer dizer, que por meio de uma manipulação da foto é possível distorcer o que se quer dizer em um texto jornalístico, por exemplo, usando uma imagem que não remete ao real.
O professor cita um caso de um fotógrafo que manipulou uma foto ao colocar em primeiro plano a cabeça de uma pessoa que morreu e um menino ao fundo que estava jogando bola com o pé em cima da cabeça do homem executado. O fotógrafo, achou um momento e posicionou a câmera de tal forma que parecia que ele estava jogando bola com a cabeça do cara executado. Olhando bem a foto a gente vê que a cabeça está bem à frente e a criança atrás. A informação que foi divulgada é que é tão comum a violência no Rio que as crianças jogam bola com a cabeça de cadáver. Mas, o fato não era esse. Era para ser uma simples notícia. A gente que tá fotografando dependendo de como posiciona as coisas pode manipular o entendimento que se vai ter daquela imagem”, explica.
O professor explica a variedade de fotografias e cita as principais delas: fotoreportagem, documentário e editorial. A fotoreportagem está sempre atrelada à um texto, a fotodocumentário, são temas abordados por meio das fotografias e a editorial é que geralmente se faz para divulgar um evento, a vida de um artista.
Já a fotografia artística depende da vontade do autor. Essa discussão é tão antiga como a fotografia. Tem movimento que prega que a fotografia tem que ser direta, sem interferência, outros fotógrafos interferem na imagem para que fique parecido com obra pintada. Isso para alguns é até elogio. Mas, dependendo do que o fotógrafo quer é trágico”, brinca. Eu gosto de criar. E se ficar parecida mais com pintura do que a fotografia eu acho bom”, disse.
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