10 de junho, de 2011 | 00:00
Ipatinga perde o Anjo da Paz”
Padre Avelino atuou como mediador para apaziguar o episódio conhecido como Massacre de Ipatinga”
DA REDAÇÃO A região perdeu nesta terça-feira (7) um dos personagens mais emblemáticos da história de Ipatinga e Vale do Aço: o monsenhor Avelino Marques, também conhecido por Paia Roxa” e Anjo da Paz”.
Avelino, que estava com 91 anos, vivia há alguns anos recolhido à Arquidiocese de Belo Horizonte. Na segunda-feira (6) ele passou mal e foi internado no Hospital Madre Teresa, situado no bairro Gutierrez, onde foi constatada uma pneumonia.
Na manhã do dia seguinte, o religioso sofreu uma parada cardíaca, mas foi reanimado. Contudo, à tarde, ele foi acometido por um novo ataque, desta vez fulminante.
O pároco foi levado para o velório no Santuário São João Batista, em Barão de Cocais, onde também ocorreu uma missa de corpo presente. A cerimônia fúnebre, concelebrada por 17 sacerdotes, contou ainda com a presença do vigário episcopal de Belo Horizonte, Francisco Pimenta.
A escolha pelo enterro do religioso naquela cidade foi em virtude de muitos dos seus familiares viverem na localidade, entre elas a irmã Maria Jerônima Marques, de 89 anos.
Sou muito orgulhosa de ser, ao mesmo tempo, sobrinha e afilhada dele. Além de ser meu padrinho, foi ele também que realizou meu batizado. Na minha memória vai ficar a imagem da pessoa alegre que ele foi. Uma marca dele era estar sempre carregando um gravador e uma máquina fotográfica. Ele dizia que era para ter todos os registros guardados”, emociona-se a sua sobrinha Maria do Rosário Soares, a Zarita”, de 63 anos.
Paciência
Segundo Zarita contou ao DIÁRIO DOA AÇO, o monsenhor Avelino tinha o costume de sempre visitar Barão de Cocais nas festividades religiosas, com um carinho especial pela Semana Santa.
Ainda existe aqui (Barão de Cocais) uma tradição forte da confissão. Nessa época, ele sempre ouvia as confissões dos fiéis. O interessante é que a fila do confessionário onde ele estava era sempre a maior e não eram só pessoas idosas não; sempre havia muitos jovens. Como ele era muito antenado com a atualidade, isso ajudava na interação com as moças e rapazes. Acho que gostavam de se confessar com ele pelo fato de ser muito atencioso e paciente. Depois de passar horas sentado escutando, ele deixava o confessionário ostentando um sorrio de felicidade por fazer aquilo. Ele falava que estava aliviando aquelas pessoas e ainda brincava: sou pós-graduado em confissão”, revelou a sobrinha.
Antes de falecer, o monsenhor Avelino exercia suas atividades religiosas como pároco emérito da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, que fica no bairro Mantiqueira, em Belo Horizonte. Filho de Leonel Marques Pereira e de Alice Avelino Marques, o religioso nasceu em 19 de janeiro de 1920, em Mariana, e foi ordenado padre em 1943.
Ipatinga
O pároco exerceu por muitos anos suas atividades eclesiásticas no município. Ele foi, inclusive, o primeiro pároco da Igreja Nossa Senhora da Esperança, erguida em 1959, no bairro Horto. Avelino acompanhou todo o processo de construção, que durou, segundo o próprio sacerdote, em entrevista concedida ao DIÁRIO DO AÇO em 2010, milagrosamente apenas 12 dias”.
Além de ter sido um dos pioneiros da cidade que começava a crescer vertiginosamente com a construção da Usina Intendente Câmara, o religioso, então tratado carinhosamente como Pai Roxa”, desempenhou papel importante durante o episódio conhecido por Massacre de Ipatinga”.
Na véspera do incidente, conforme narrado no livro Ipatinga Cidade Jardim”, do escritor José Augusto de Moraes, o padre Avelino foi mediador do conflito entre as forças policiais e os operários.
Revoltados com o comportamento arbitrário da Vigilância, os trabalhadores exigiam uma reunião com o engenheiro Gil Guatimosim, entoa chefe geral da Usina.
Avelino negociou uma trégua com a Cavalaria que cercava os alojamentos dos peões no bairro Santa Mônica. Avelino recebeu autorização para subir o morro e chegou a se oferecer como refém até que a direção da usina concordasse em realizar uma negociação pacífica.
Esse episódio ocorreu durante a madrugada do dia 7 de outubro de 1963. O pedido do padre foi acatado e, na parte da manhã, uma comissão formada por operários, juntamente com o religioso, sentou à mesa de negociações com a direção da empresa e o comando militar.
No entanto, como havia a necessidade da interferência de intérpretes para o diálogo com alguns japoneses em cargos de chefia, o encontro foi mais demorado que o previsto.
Alheios a esse impasse, na parte externa do Escritório Central, o clima de animosidade ficou ainda mais acirrado entre operários e policiais, situação que acabou desaguando em um tiroteio.
Os operários, então, foram um alvo fácil expostos a uma metralhadora instalada na carroceria de um caminhão da Polícia Militar. Saímos do lado de fora, quando a gente viu o caminhão passando, com os soldados dando tiros para todo lado. Atiraram lá no ambulatório, na estação ferroviária, pra todo lado, e ficou aquela porção de mortos lá no chão...! Na hora do tiroteio, eu não estava lá, estava na reunião. Depois é que eu fui para lá. Eram quase nove horas da manhã”, relatou o monsenhor Avelino, em depoimento estampado na edição do livro de autoria de José Augusto de Moraes.
Um desfecho inesperado para o sacerdote, que havia recebido dos trabalhadores o apelido de Anjo da Paz”, mas compreensível dado o despreparo de vigilantes e dos oficiais destacados pela PM para acompanhar os fatos que enlutaram Ipatinga.
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