15 de novembro, de 2013 | 00:00

“Proclamação da República foi um momento distante do povo”

Historiador avalia a evolução dos fatos e símbolos que construíram o nacionalismo brasileiro


IPATINGA – A partir do dia 15 de novembro de 1889, o Brasil mudou o seu sistema político, passando de Monarquia para República. Apesar de ser significativa, a data não envolveu os brasileiros à época, o que culminou em um longo processo, ainda em curso, de criação de identidade nacional e símbolos que reforcem o nacionalismo. Esse é o resumo da avaliação feita pelo professor de História, Breno Martins Zeferino, sobre o significado da data para os brasileiros. “A Proclamação da República transforma o sistema político brasileiro, mas não transforma o cidadão. Isso só ocorre a partir da década de 1930. Embora o país estivesse livre da escravidão naquela data, as alterações sociais imediatas foram pouquíssimas”, declarou o professor.

Breno Zeferino, mestre pela Fiocruz em História da Ciência, é autor do livro “A Inventiva Brasileira do Século 19: saúde, modernidade e ciência” e, atualmente, leciona em escolas particulares da região. Ao fazer uma análise sobre a data celebrada nesta sexta-feira, Breno Zeferino recorre à expressão que embasa o livro do historiador José Murilo de Carvalho, “Os Bestializados”. “A Proclamação da República foi feita e o povo assistiu bestializado. Esse foi um termo usado na época para afirmar que o povo não sabia o que estava acontecendo. O povo assiste a isso de longe. Os trâmites são todos políticos”, pontua.

O historiador lembra que o ato chegou ao conhecimento da população por meio de jornais publicados no dia seguinte e, nas demais partes do Brasil, somente um mês depois. “Como o povo estava distante, era preciso não só criar a República como fazer os brasileiros participarem disso. Para tanto, criaram-se vários símbolos, institucionalizados, que vieram de cima para baixo. O governo os criou para identificar os brasileiros e formá-los ao longo do tempo. Quinze de novembro é uma data fabricada, forjada”, resume. Entre os símbolos citados pelo professor estão a bandeira nacional, o hino nacional, o 7 de setembro e figuras como Tiradentes, “apresentado como herói semelhante a Jesus Cristo”.

Genuíno
De acordo com a avaliação de Breno Zeferino, com o passar do tempo, a República do Brasil construiu outros símbolos, em um processo de “hibridação dos costumes e de identificação”. Ele afirma que, no século 19, houve uma preocupação razoável em criar uma cultura genuinamente brasileira. “O primeiro movimento nacionalista foi o Indianismo, com idealização em torno da figura do índio, o que tínhamos de mais original. Mas para formar a identidade cultural foram necessários outros elementos importantes. Acho fundamental que o dia 15 de novembro seja associado a práticas nacionalistas atuais”, defende Bruno Zeferino.

Esporte e carnaval
Para explicar os atuais símbolos nacionalistas, Breno Zeferino recorre ao conceito de “nacionalismo moderno” criado pelo historiador de referência mundial do século 20, Eric Hobsbawm. “No Brasil, eles são carnaval e futebol. As práticas nacionalistas modernas associadas a esses símbolos dão uma identidade cultural muito forte ao brasileiro”, salientou o professor.

Neste contexto, o futebol e o carnaval, segundo Breno Zeferino, ultrapassam o universo da festa e do esporte, e “alcançam em larga escala o universo da cultura, da sociedade, da hibridação cultural, para formar o brasileiro”. “Nós somos republicanos não porque reinventamos o país em 15 de novembro de 1889, mas porque associamos todo esse repertório aliado a essas duas práticas culturais (carnaval e futebol). Nosso civismo passa por essas representações”, observou.

Escolas
Questionado sobre o papel das instituições de ensino como incentivadoras do nacionalismo, Breno Zeferino responde que as escolas têm se esforçado muito para promover momentos cívicos, embora na década de 1980 essa prática tenha sido mais forte. “Durante o período de educação no Brasil, houve certo abismo nessa perspectiva. Por outro lado, esse assunto tem voltado à tona com várias ações”, ressaltou.

Na avaliação do professor, o sentimento nacionalista está cada vez mais fragmentado do ponto de vista da formação escolar. “Por causa da pós-modernidade, fragmentação da identidade cultural, cada vez mais individualizada, as fronteiras cada vez menores entre países. Mas quando utilizamos outros elementos, como futebol e carnaval, temos um símbolo nacionalista muito forte”, reforça Breno Zeferino.

 

“Nossa formação não teve participação popular”

Vez ou outra é comum ver comparações da postura do brasileiro com a do estadunidense quando o assunto é amor à pátria. O historiador Breno Zeferino conta que comparar a formação de países é importante para entender o contexto atual. A forma de votar é um exemplo. “Nos Estados Unidos, até hoje se utiliza a cédula de papel, diferente da urna eletrônica usada no Brasil. O ato do voto na cédula é muito mais emblemático do que apertar um botão. Isso reflete a diferença de formação dos dois países”, esclareceu.

O professor lembra que os EUA se formaram à luz de uma guerra de independência com forte influência iluminista. “Para isso, foi preciso mobilizar todo o povo, inclusive os escravos que lutaram contra a Inglaterra. Esse momento de hostilidade é um símbolo forte. Nossa formação não teve participação popular. Foram momentos democráticos, como a Independência do Brasil. Após o século 19, há esforço para identificar o povo brasileiro”, ponderou.

E durante esse processo de identificação surgem os “nacionalismos esportivos”, citados por Robsbawm. “Para reforçar essa identidade, momentos de disputas em séculos anteriores se transferem para a prática esportiva. Quando nos unimos pelo esporte somos nacionalistas. Nossa experiência é recente, daqui a uns 100 anos talvez isso esteja mais enraizado”, concluiu o historiador.   

 
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