22 de dezembro, de 2020 | 14:18

Solta ela agora!

João Paulo Xavier *

“É preciso intervir, acudir e manifestar a desaprovação e defender as pessoas que estão em quaisquer situações de vulnerabilidade”

Na noite de sábado, 19 de dezembro, saímos para buscar uma encomenda de dois cachorros-quentes e uns refrigerantes. Aguardávamos acomodados no interior do estabelecimento, em Coronel Fabriciano, quando reparamos que a moça da mesa atrás da nossa se levantou subitamente. Ela estava chorando e segurando o celular na mão. O homem que estava com ela, foi em sua direção e começou a falar em tom ameaçador e exigindo que entregasse o celular. Ela se recusava enquanto tentava se desvencilhar do rapaz que, à essa hora, já estava com as mãos em seu pescoço e o apertava. Diante da situação, nós nos levantamos imediatamente e começamos a encarar e a enfrentar o homem que, rapidamente, soltou a moça e pareceu perder toda a valentia dos segundos antes. Colocamos o dedo no nariz dele e dissemos que não se bate em mulher, que era covarde e se ele quisesse bater em alguém porque não resolvia com alguém com força para enfrentá-lo. Bom, essa é a tradução possível de ser veiculada nesta edição do jornal(você pode imaginar o que aconteceu). Enquanto isso, a moça correu em direção ao banheiro e ficou lá. Depois de toda gritaria e agitação do salão, ela saiu e veio até nós, que vigiávamos o agressor que estava de cabeça baixa e assentado, novamente, à mesa. Então, ela nos explicou que estava tentando ligar para um amigo para pedir que os buscassem porque seu namorado estava bêbado, mas queria pilotar a moto mesmo assim. Ela nos agradeceu por termos intervindo e disse que estava com muito medo e vergonha.

Dissemos para ela não tolerar qualquer agressão e não se colocar em perigo na companhia de um homem que a desrespeita de tal forma e que é irresponsável a ponto de consumir bebida alcoólica e pilotar ou dirigir. Ao chegar em casa, me assentei para redigir esta coluna, pois o que acontece no Brasil é assustador quando o assunto é a violência. Mais de 500 mulheres são agredidas por hora neste país, na média delas 177 são espancadas; 76% relatam que o agressor era alguém conhecido. Em 2018, segundo dados disponibilizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 16 milhões de mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência, em diferentes situações: 3% ao curtir em um bar, 8% estavam no ambiente de trabalho; 8% virtualmente, na internet; 29% nas ruas e 42% em suas próprias casas.

O número das vítimas agredidas fisicamente beira a absurda margem de quase cinco milhões de mulheres, uma média de 536 mulheres por hora. Em 2020, durante a pandemia, os casos de violência, segundo os dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), cresceram 14,1% nos primeiros quatro meses deste ano. O pior mês foi abril, em que, se compararmos ao mês de abril de 2019, houve 37,5% de aumento. Sobre o feminicídio, ou seja, o assassinato de mulheres, de acordo com o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos subiram expressivamente em alguns estados: no Acre, o aumento foi de 400%; no Mato Grosso, o crescimento foi de 157,1%; no Maranhão, foi de 81,8%; no Pará, 75%; no Ceará, 208%; no Rio Grande do Norte, 75%, para citar apenas alguns desses tristes números.

No Brasil, o aplicativo “Direitos Humanos Brasil” foi criado a fim de acolher e encorajar as denúncias de quaisquer tipos de violências. Outra forma de denunciar é o Disque 100 e o Disque 180, que têm operado normalmente, até mesmo neste período pandêmico de quarentenas. É importante termos ciência dessas informações para instruirmos as vítimas a não se calarem e nem tolerarem abusos físicos ou emocionais, como as intimidações, por exemplo. O caso que relatei no início deste artigo não foi presenciado apenas por nós dois, pois não éramos os únicos naquele estabelecimento. Pelo menos mais dois grupos de pessoas aguardavam no local, no entanto ninguém se levantou para socorrer a moça. Eles apenas assistiam até o momento em que nós percebemos e gritamos: SOLTA ELA AGORA! É preciso intervir, acudir e manifestar a desaprovação e defender as pessoas que estão em quaisquer situações de vulnerabilidade. Depois que nos movemos em socorro à vítima as outras pessoas resolveram fazer algo, alguns disseram “covarde” “não bata na moça”, enfim, manifestações de apoio à vítima e de reprovação à agressão que ela sofria. Quando agimos, as pessoas ao nosso redor formam uma rede de apoio e se sentem encorajadas a se manifestar.

Por isso, aja. Todos temos mães, tias, irmãs, mulheres que amamos e que respeitamos e a quem desejamos o bem. Não suportaríamos presenciar uma agressão a elas. Precisamos estender a mesma empatia, sororidade e solidariedade às outras pessoas. Não podemos nos acovardar diante da violência contra a mulher. Não devemos naturalizar a opressão masculina sobre as mulheres. Gritos, ameaças, apertos no braço ou pescoço, empurrões precisam ser reprovados e denunciados. Muitas vezes, a vítima não tem, sequer, forças físicas ou emocionais para pedir ajuda ou para correr. O mesmo com relação aos assédios sexuais ou morais. Não podemos ser coniventes com a covardia. Algo que precisamos lembrar, também, é que a polícia precisa ser acionada, por meio do 190, boletins de ocorrência podem ser registrados. É importante pormos fim à violência contra a mulher, à homofobia, ao racismo e à toda sorte de discriminações e agressões. Quando ficamos em silêncio e fingimos não ver essas situações nos tornamos tão criminosos quanto quem as pratica.

* Mestre em linguística aplicada (UFMG)e doutor em estudos de linguagens pelo CEFET-MG onde atua como professor e pesquisador. E-mail: [email protected]
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