12 de fevereiro, de 2021 | 14:37
A última gota
João Paulo Xavier *
Não se falava em outra coisa nos corredores da escola no ano de 2019. Os vários grupos espalhados pelo gramado, reunidos pelos corredores e até mesmo durante as aulas tinham a mesma pauta em comum: a grande Festa do After”.
A empolgação no olhar dos alunos era contagiante. Organizada pela comissão de formatura, composta pelos estudantes do terceiro ano, as expectativas não podiam ser melhores. No entanto, para alguns a festa não durou 60 minutos. Segundo o relato de alguns dos estudantes, havia colegas caídos pelos cantos, outros vomitavam e alguns sonolentos se escoravam.
Organizada independentemente de qualquer autorização da escola e em um ambiente localizado em outro bairro, a festa era no estilo open bar”, isto é, as bebidas estavam sendo servidas à vontade para os convidados, cuja maioria era composta por adolescentes, dentre os quais muitos eram menores de idade. Segundo relatos, além das bebidas alcoólicas, foram vistos cigarros e outras substâncias.
A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informou o crescimento em mais de 55% do número de adolescentes, desde o último ano do ensino fundamental ao ensino médio, que já experimentaram bebidas alcoólicas.
Cabe lembrar aqui que a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade é crime, segundo a Lei 13.106. Os motivos para essa proibição são inúmeros, por exemplo: o álcool prejudica o desenvolvimento cognitivo, emocional e social do indivíduo; não raramente, o consumo de bebidas alcoólicas na infância e adolescência estimula comportamentos de risco, como o uso de tabaco, drogas ilícitas, atividade sexual sem proteção e acidentes automobilísticos, sendo esta última o mais grave motivo para a morte dos jovens entre 16-20 anos que ao beber e dirigir se envolvem em acidentes fatais.
O apelo para o uso do álcool está em todo o lugar ao nosso redor. Você já reparou que nos filmes e nas novelas quando as pessoas vão comemorar alguma coisa, elas oferecem uma bebida alcoólica umas para as outras? O mesmo ocorre quando estão tristes, angustiadas, ansiosas ou preocupadas. Elas sentem que precisam beber algo.
Eu não me esqueço da personagem Anelise Keating da série estadunidense, How to get Away with murder, como defender um assassino, em língua portuguesa. Em um dos episódios, Anelise, que é uma advogada renomada, interpretada pela atriz Viola Davis, precisa defender um caso na Suprema Corte Americana, em um ataque de pânico desesperador, Anelise pensa em desistir e, em uma crise de choro no banheiro, pede a pessoa que está lhe acompanhando, nesse episódio específico, Olivia Pope, que traga uma garrafa de vodka.
Olivia pede ao assistente que faça o que Anelise está pedindo ao que o rapaz responde, mas ela não pode beber, pois está em reabilitação nos alcoólicos anônimos.” Olivia fala de forma incisiva que é para ele trazer a garrafa de vodka.
Ao chegar com a garrafa, Olivia, antes de entregá-la a Anelise, diz mais ou menos isso, eu não sei o porquê você pensa que o que está dentro dessa garrafa vai te ajudar, mas aqui está. Eu sei que a força e a coragem que você precisa não está nesse líquido, está em você se lembrar do que você é capaz, acreditar em si mesma e enfrentar essa corte como enfrentou todas as outras até chegar aqui”.
Anelise respira fundo, afasta a garrafa, caminha até a pia, joga uma água no rosto e se recompõe. A cena é bem forte. Vemos por todos os lados o assédio midiático com relação ao consumo de bebidas. Associam a cerveja gelada ao dia de praia e sol. Associam os drinks ou coquetéis às festas. A champanhe à celebração ao sucesso ou ao casamento de alguém. O whiskey à sofisticação. E, até mesmo, o vinho ao Natal.
Quem nunca ouviu alguém responder não bebo, geralmente, no Natal que tomo um cálice de vinho”. Essa sazonalidade é responsável pelo aumento de 20% a 30% das vendas de vinhos e espumantes, no Brasil. O que quero dizer, aqui, é que o consumo de bebidas alcoólicas é estimulado e naturalizado na sociedade.
Eu resolvi parar de consumir bebidas alcoólicas há menos de um ano e, por isso, sinto na pele as consequências desse ato. Não associar a resenha com amigos à bebida e aprender a celebrar ocasiões especiais com um suco tem sido um aprendizado diário. Passei a prestar atenção em todos os momentos em que as bebidas aparecem nos seriados ou filmes que assisto e, por conta disso, critico algumas cenas que são feitas apenas para devotar aquele minuto ou minutos ao consumo de álcool.
Vejo, muitas vezes, que pelo consumo de uma bebida é esperado que a pessoa se acalme ou relaxe. Agir assim é amordaçar mentalmente as pessoas e dizer que elas não são capazes de lidar consigo mesmas ou com as situações difíceis a que estão sujeitas de cara limpa. Retomando a festa dos adolescentes, no início do texto, perguntei se eles consideravam a festa boa e se fariam aquilo novamente.
A resposta unanime foi que sim, mas não beberiam tanto como fizeram porque nem puderam ficar até o fim ou tiveram que sair carregados pelos amigos. Penso ser premente que conversemos com nossos adolescentes e jovens com relação a este assunto ao invés de ignorar o que acontece na sociedade.
A informação, a conscientização, o debate e diálogo podem, potencialmente, transformar a mentalidade das pessoas ao nosso redor. Como educador e indivíduo que decidiu, só por hoje, não consumir nada alcoólico, penso que podemos influenciar positivamente para que as pessoas, principalmente os adolescentes, não sejam aprisionados em comportamentos que podem custar caro.
*Doutor em Estudos Linguísticos Pesquisador e Professor efetivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) instagram: @nazareorientadora
Referências:
Shaping the oral microbiota through intimate kissing
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