22 de fevereiro, de 2022 | 13:36
Um eterno recomeçar
Gaudêncio Torquato *
A cada estação do ano, o Brasil ganha um carimbo. Neste momento, a marca aponta para cerca de 650 mil mortos da pandemia, quase 30 milhões de contaminados e mais de 130 mortos na tragédia de Petrópolis, RJ. As intempéries do ciclo de chuvas, crateras, devastação e mortes, típicos dos meses de janeiro e fevereiro na região Sudeste, cedem lugar à descontração, por ocasião do período carnavalesco, na cabal demonstração de que o slogan pátrio nunca foi ordem e progresso, mas o eterno recomeço que a ampulheta do tempo, vira e mexe, impõe como o nosso conceito de devir.Mas nesse ano, face à pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus, o tempo de dor e tristeza se prolongará, pois o carnaval não será a festa da descontração e alegria que tanto faz a fama do Brasil no mundo.
O fato é que nossas tropicais plagas veem agravadas suas mazelas de início de ano, com os cemitérios lotados de pessoas que não resistiram ao furor de um vírus e à ausência de políticas públicas voltadas para a prevenção de catástrofes. Entoamos nesse momento o canto das mortes anunciadas. E as tragédias que se abatem sobre milhões de famílias se multiplicam aqui e ali, a exibir as contradições de um território continental, farto de chuvas em alguns espaços e carente em outros.
A falta de quase tudo estampa sua face horrenda pelos logradouros de todos os quadrantes. Pedintes se amontoam em seus farrapos por baixo de pontes e viadutos. A criminalidade, particularmente na forma de assaltos à mão armada, se expande. Muitos morrem de inanição por falta de alimento adequado. Mas o estouro das verbas públicas daqui a pouco abrirá os currais eleitorais, irrigando mandatos e escancarando os buracos do Estado.
A estética da miséria desfila gritos de horror e comoção, com as ruas superlotadas por águas de inundação e os objetos que sobraram das casas que desmoronaram nas enchentes.
As forças naturais recebem as críticas, mas a mãe natureza não tem tanta culpa. A obra de devastação a cargo do homem, em sua incessante obstinação para apressar o fim do planeta, é a principal responsável por catástrofes. E no Brasil, basta olhar para os orçamentos para percebermos que os recursos acabam sendo desviados para outros fins que não os da prevenção contra catástrofes.
A obra de devastação a cargo
do homem, em sua incessante
obstinação para apressar o
fim do planeta, é a principal
responsável por catástrofes”
Os homens públicos deveriam ir ao paredão da vergonha por não construírem barreiras preventivas nos espaços que administram. Deixam-se levar por um obreirismo que confere visibilidade e votos, incrementando o Custo Brasil, e frequentemente se esforçando para apagar rastros de antecessores e motivar comparações que os favoreçam.
A lama tóxica invade cidades mineiras e regiões fluminenses. O trabalho voluntário mostra a solidariedade de brasileiros, mas não evitam a maré de improvisação que grassa na administração de Estados e municípios, onde interesses de máfias do poder público se unem aos interesses de grupos privados.
Em São Paulo, gigantesca cratera se abre no caminho do metrô, a sinalizar a incúria de administradores e consórcios formado por empreiteiras. A pecúnia desempenha papel central na tragédia. No País da improvisação, qualidade se confunde com quantidade. Para arrematar o mosaico de desleixo, competências constitucionais são distribuídas de maneira irregular entre os entes federativos.
União, estados e municípios repartem áreas comuns como serviços sociais, meio-ambiente e habitação etc. O resultado é uma sobreposição de ações, particularmente nos palanques midiáticos, aqueles que impressionam eleitores. Enquanto isso, projetos escondidos, como os de saneamento, são relegados ao segundo plano. Um governo eficaz é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Onde estão esses governos? A ausência de planejamento se faz ver em toda a parte.
Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Uma luzinha de esperança se acende no meio da escuridão, sob o clamor de contingentes cada vez maiores que saem de seus barracos, nas margens, para exigir dos mandatários o atendimento de suas demandas. Sob pena de os governantes não terem o benefício de uma segunda vez em seus feudos de poder.
* Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato. www.observatoriopolitico.org
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Tião Aranha
22 de fevereiro, 2022 | 15:42Do jeito que a humanidade caminhava antes da Pandemia não dava pra continuar. Diante de tanta escravidão pra cima do pobre, tá que nem as 10 pragas do Egito: são explicações naturais pra explicarem a força de Moisés.”