24 de dezembro, de 2022 | 13:00

Crônica de Natal

William Passos *

Era um fim de tarde de dezembro de um ano que já não me recordo mais. Um menino, descalço, pediu dinheiro na padaria. Recusei-me a dar dinheiro, ofereci pães. Perguntei se ele tinha fome. Respondeu que sim. Assim que o menino saiu da padaria, a balconista da loja, não sei se tinha carteira assinada, falou que a proprietária havia dado ordens para não dar pão aos pedintes. A cara de nojo da balconista, creio que não tenha sido ordem da patroa.

Refleti por alguns instantes diante da insatisfação. Comprei os pães com o meu dinheiro. A proprietária ganhou no faturamento. A balconista não perdeu no salário. Havia uma árvore de Natal na padaria. Faltava generosidade.

Noutro dezembro, de um ano do qual não me recordo mais, um amigo dos tempos de escola subiu no ônibus. Eram comuns estes encontros. Ele pedia qualquer trocado para comer. Neste, em especial, lembro que segurava um papel. Apresentou-se dizendo que era HIV positivo e pedia qualquer ajuda. Imediatamente reconheceu-me. Em alto e bom som, chamou-me de “meu amigo William”. Como sempre, doava a maior nota da minha carteira. Separei uma das cédulas de 50 reais. Talvez fosse como 100 reais de hoje. Talvez mais.

Com muita alegria, não sei se ainda está entre nós, este amigo agradeceu-me com um largo sorriso. Nada surpreendente. O surpreendente foi a insatisfação de um rapaz que nunca havia visto. Criticou-me pelo “baixo nível” dos meus amigos e pelo “desperdício” da minha doação. Refleti por alguns instantes diante da insatisfação. Fiz a doação com o meu dinheiro.

Há ainda um terceiro dezembro de lembranças quase apagadas na minha memória. Uma mulher com uma criança no colo pediu qualquer moeda que tivesse. Se pudesse, doaria um banho, roupas limpas e um carrinho de supermercado cheio. Apenas consegui doar o suficiente para três refeições naquele dia. Uma senhora de cabelos brancos, não sei se a idade ensina, repreendeu-me com uma lição de moral que a teimosia de minha juventude ainda não me permitiu aprender. Havia uma árvore de Natal na camisa dela. Faltava generosidade.

“Independentemente do sentido e do
significado, tentemos ser melhores”


Dois anos atrás, em plena pandemia, uma menina interrompeu comentários acalorados sobre política no Facebook para pedir arroz, macarrão ou “qualquer outra coisa”. Pedi mais detalhes em mensagem no privado. Ela disse que vivia com a irmã mais velha e os pais, mas, com a pandemia, os três foram perdendo o emprego, um a um. Já não havia mais nada na geladeira, apenas água. Pedi mais informações. Fiz algumas checagens na internet e nas redes sociais. Todos os dados que ela forneceu pareciam verdadeiros. Fiz um pix de 500 reais. Era antevéspera de Natal.

Pouco antes da meia-noite do dia 25 de dezembro recebi duas fotos. Na primeira, muitas sacolas de supermercado. Um texto enorme de agradecimento com alguns dos mais generosos elogios de que me recordo. Na segunda, a família toda parecendo feliz, inclusive a gatinha. Havia uma modesta árvore de Natal no fundo. Transbordava generosidade.

A menina encerrou o contato dizendo que gostaria de conhecer mais pessoas boas como eu. Respondi dizendo que gostaria de conhecer mais pessoas inteligentes como ela. Havia sinceridade de ambos os lados. Até hoje não conheci alguém que fosse bom de marketing e prestação de contas ao mesmo tempo.

Independentemente do sentido e do significado, tentemos ser melhores. Ajudemos a tornar realidade a esperança num mundo melhor. Um mundo com menos julgamentos, menos certezas, razões e opiniões. Um mundo com mais ações sem o interesse de algo em troca. Um mundo, enfim, com mais fraternidade e generosidade. A você e a toda a sua família, um Natal de muito amor.

*Colaborando com o Jornal Diário do Aço desde 2019
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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

24 de dezembro, 2022 | 18:10

“Excelente! Parabéns! Obrigado!

À medida que fui lendo, lembrei-me do Poema VIII de "O Guardadoras de Rebanhos", uma das maravilhas de Fernando Pessoa.
"Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
[ ... ]
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da trindade.
[ ... ]
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro".

Como ele é muito extenso, deixo estes fragmentos para atiçar a curiosidade dos leitores.
Um Feliz Natal para todos! Um Ano Novo com muita Paz e Prosperidade!”

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