27 de dezembro, de 2022 | 15:00

Florido mistério...

Nena de Castro *

Acordou com o calor dos raios do sol. Canarinhos e bem-te-vis muito próximos, festejavam mais um amanhecer. Ouvia o barulho das águas brincando com as pedras num pega-pega infinito, antes de seguirem seu curso. O vento acariciava seus cabelos, soprando de leve, brisa com cheiro de frutas doces. Lembrava-se de ter saído para caminhar após a chuva, sentindo o ar fresco, os cheiros da vegetação e da terra molhada. Seus olhos iam de planta em planta, observando com gosto as pequenas gotas que lhe lembravam pérolas ao luar. Voltavam a voar os pássaros, antes abrigados em secretos esconderijos e seu pipilar era doce aos ouvidos da moça que andava sem pressa, presa de sua interação com a natureza.

Ela se sentia mais árvore que gente, tinha a íntima convicção de que brotara do solo e depois, por brincadeira dos gnomos da floresta, fora colocada no ventre da mãe. Sabia que suas raízes seriam profundas, apenas estava sob aparência humana, ela pertencia a Gaia. Sua pele seria a casca, suas mãos e cabelos seriam os galhos e os pés, as fortes raízes. No lugar do sangue menstrual, saía de seu corpo uma seiva verde e a mãe se desesperava.

Ela ficava sentada por horas, cantando para a mãe-natureza em sintonia com a música da Terra. Sua mãe rezava pela cura, fazia promessas para ver a filha ser como seus outros filhos, o pai observava calado a sua menina. No entanto o tempo corria na pressa de encontrar o destino, a menina crescia, mas não se desapegava do verde.

Gostava de ler livros sobre plantas, de colher folhas e raízes para chás. Quando o pai cortou uma velha mangueira que ameaçava desabar sobre a casa, sangrou pelo nariz durante toda a noite. Ficava desesperada pela destruição das florestas e rios, doíam-lhe fundo as ações dos humanos inumanos que cavavam suas próprias sepulturas em busca de lucro.

Por acaso comeriam dinheiro quando tudo fosse transformado em deserto? Não haveria uma sombra, não teriam água, só a desolação. Falava disso com olhos brilhando, tremendo de emoção e sentimentos de perda para os irmãos que a achavam estranha, mas a amavam.

E ela tinha secretos devaneios sobre o local em que a transformação aconteceria: tinha que ser num recanto especial, à beira do rio, quem sabe margeando um remanso cheio de beleza. E sob sua sombra, homens e animais poderiam se abrigar, ela agasalharia a todos e embalaria seu sono com melodias secretas e o olor das flores perenes que teria.

Ela viveria sim, em eterna primavera e apesar das mudanças do tempo, seria sempre a árvore da beleza. Aí aos dezessete anos, em noite de lua, a moça escutou o chamado trazido pelo vento e partiu. Andou sem medo apesar dos ruídos noturnos, e quando se sentiu fatigada pelo cansaço, encostou-se em uma árvore e dormiu. Acordou com o ruído da floresta que despertava e de súbito, um bem-te-vi pousou em seu rosto. Quis afastar a avezinha e levantou a mão. Levou um susto ao ver que tinha um galho no lugar dos dedos. Quis se mover, mas estava firme no chão. Compreendeu então, que tinha acontecido o que esperava desde sempre: tinha sido transformada numa linda árvore, firme nas raízes. Chorou, gargalhou e depois cantou docemente saudando o dia. E perto do remanso do rio, apareceu uma quaresmeira, linda e vigorosa, flores roxas gangorrando ao sabor do vento...

(E nada mais digo, a não ser: FELIZ ANO NOVO, meus queridos cinco leitores. Que seja um novo tempo em Pindorama, repleto de paz, comida na mesa de todos os brasileiros e justiça)

* Escritora e encantadora de histórias

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