01 de fevereiro, de 2023 | 07:00

Opinião: Telessaúde, segurança jurídica e a possibilidade de implementação como política pública de saúde

Yuran Castro

A utilização de tecnologia na atenção à saúde, de maneira remota, não é uma novidade no Brasil. Desde o fim dos anos 1990 há registros do uso da telemedicina como estratégia de saúde para se dinamizar a análise de exames (telelaudos). Entretanto, a contar desse período, não havia lei específica que autorizasse o emprego de tal recurso no território nacional. Desse modo, tanto profissionais, quanto pacientes, não possuíam a confiança, nem a segurança necessária em seu manuseio.

Então, com o decorrer do tempo e a expansão da tecnologia em meio aos serviços de saúde, demandou-se a regulamentação dessa iniciativa. Assim, portarias foram publicadas pelo Ministério da Saúde e resoluções, pelo Conselho Federal de Medicina. Ademais, houve a publicação da Lei nº 13.989/2020, que autorizou a telemedicina durante o período de crise ocasionada pela covid-19. Dessa maneira, havia expressa restrição legal ao uso da ferramenta aos profissionais da medicina, bem como inexistia autorização para a utilização fora do período de crise pandêmica.

Em que pese a existência de normatização mínima a respeito desse recurso, a insegurança jurídica permanecia, tendo em vista que os atos administrativos que permaneceram em vigor após a pandemia, não conferiam a devida legitimidade para o manuseio da modalidade em todo o território, bem como não delimitavam satisfatoriamente o seu emprego.

Além do mais, a saúde digital demandava adequar-se aos ditames legais de legislações relacionadas à disponibilização de informações sigilosas e pessoais em ambiente virtual, especialmente a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), uma vez que, necessariamente, por meio das plataformas há o manuseio de dados de pacientes, que não devem ser tornados públicos, sem a expressa autorização do indivíduo.

“Há evidente potencial de ampliação da saúde a
locais e pessoas que não tenham acesso a serviços
específicos e elementares”


Diante disso, no dia 27 de dezembro do ano de 2022, foi publicada a Lei nº 14.510/2022, que autorizou a utilização da telessaúde em todo o território nacional, como instrumento hábil de prestação remota de serviços de saúde. Nota-se que a autorização legal não se restringiu ao âmbito da telemedicina, mas, sim, houve a expansão a todas as profissões de saúde regulamentadas.

Busca-se, com isso, expandir e dinamizar, cada vez mais, os serviços de saúde que possam ser concretizados pela via remota. Ademais, há o evidente potencial de ampliação da saúde a locais e pessoas que não tenham acesso a serviços específicos e elementares. Entretanto, cabe destacar que, apesar da relevância desse mecanismo para a ampliação do acesso à saúde, os serviços a distância não substituem o presencial. O profissional, conforme demonstrado pelo artigo 26-B da Lei nº 8.080/1990, inserido pela Lei nº 14.510/2022, tem liberdade de utilizá-lo ou não.

Trata-se, com efeito, de importante contribuição ao ordenamento jurídico brasileiro. Inegavelmente, pacientes e profissionais de saúde possuem maior respaldo na utilização de estratégias tecnológicas. Além disso, percebe-se o escopo de se garantir a efetividade do direito fundamental à saúde, independente de limitações geográficas e sociais do indivíduo.

Ainda, em virtude da autorização legal acima, é possível que a administração pública planeje a inserção da telessaúde em meio ao Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS, principal política pública de saúde do país, de acordo com a disposição do inciso V, artigo 200 da Constituição Federal, deve ser, pelo Estado, constantemente aprimorado, a partir de ações inovadoras que promovam o desenvolvimento científico e tecnológico.

Logo, constata-se potencial de expansão dessa estratégia a todo o país, como política pública. É possível inferir, também, que esse desenvolvimento tecnológico possui elevado custo. Assim, é fundamental que haja o planejamento estratégico do poder público para fomentar a utilização desses serviços, além do avanço nas perspectivas de financiamento do sistema público de saúde. A revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016 (famigerado teto de gastos), nessa perspectiva, é elementar (mas isso é assunto para outra hora).

* Advogado atuante na área do Direito Público, doutorando em Direito pela PUC Minas e mestre em Direito e Inovação pela UFJF

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