16 de março, de 2023 | 13:00
Opinião: Seis lenços de seda
Normando Rodrigues *
Ano de 1888, no Congo, colônia belga na África. O magnata do uísque irlandês James Jameson queria ver canibais em ação e, para tal, comprou uma garota de 10 anos de idade e a serviu aos carregadores escravizados de sua expedição.Amarrada a uma árvore, a criança foi aos poucos fatiada e ainda viva viu suas partes devoradas, até que lhe cortaram a cabeça.
Jameson registrou em desenhos cada etapa da canibalização da menina, pela qual pagara seis lenços de seda.
Foi um caso de curiosidade antropológica (Jameson não acreditava no canibalismo) semelhante à de Bolsonaro, que se dispôs a comer carne de índio, e ambos os episódios se fundam na boa convivência entre liberalismo e escravidão, forjada por John Locke, Adam Smith e Thomas Jefferson, e presente no discurso de juízes do STF, segundo os quais o sindicato atrapalha”.
O escravizado é uma coisa”, um recurso” não humano” passível de jornadas de 16h de trabalho, espancamentos, choques elétricos e tornozeleiras eletrônicas para impedir fugas. Daí a esse recurso” ser servido em postas ainda pulsantes é uma variação de grau e modo, não de princípios.
O escravizado é uma coisa”, um recurso” não humano”
passível de jornadas de 16h de trabalho, espancamentos”
Abolida no papel no mesmo ano em que Jameson pagou seis lenços de seda pela menina feita refeição, a escravidão nunca deixou de ser praticada em Pindorama, o que só admitimos em 1995.
De lá, para cá, o golpe de 2016, perpetrado com o Supremo, com tudo”, e o governo fascista parido em 2018, a incentivaram.
O resultado é esse: escravistas flagrados pelo Ministério Público do Trabalho no arroz em Uruguaiana (RS), no café com alto padrão de sustentabilidade” em Manhumirim (MG) - os donos receberam de Bolsonaro o auxílio emergencial e nos vinhedos do Sul. Destes últimos, Salton, Aurora e Garibaldi fecharam com o MPT um termo de ajuste de conduta, sem participação alguma dos trabalhadores (sindicatos atrapalham”), que coisas” eram e objetos permaneceram.
O trio escravista pagará pelo flagra 7 milhões de reais, dos quais 5 a místicas iniciativas de recomposição do dano coletivo”, a critério dos procuradores. O total representa menos de 0,5% do faturamento de Salton, Aurora e Garibaldi em 2020.
O trabalho escravo segue sendo um bom negócio, protegido da desapropriação de terras e meios de produção prevista na Constituição, e apoiado por associações patronais e parlamentares de suas regiões, e pelos 36% que votaram no canibal Bolsonaro. 36% que apreciam arroz de Uruguaiana com gosto de correntes, café Klem com aroma de suor de cativo, espumantes gaúchos com bolhas de choque elétrico e uísque Jameson com sabor de carne de garotinha pré-adolescente.
A cabeça da menina congolesa custou seis lenços de seda. Cada cabeça dos escravizados em vinhedos, uns R$ 9,6 mil, valor da indenização prevista no acordo, que pode ainda diminuir, à medida em que mais cabeças forem incluídas na ainda incompleta lista. Por enquanto, por cada cabeça de escravizado nos vinhedos, dá pra comprar seis lenços de seda Gucci.
* Normando é assessor jurídico da FUP e do Sindipetro NF
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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