25 de abril, de 2023 | 16:00
Opinião: Desentortando a ferramenta, sacudindo o jugo...
Nena de Castro *
Poucas vezes um livro me atordoou tanto quanto Torto Arado” de Itamar Vieira Junior. Li, reli, treli, fiz anotações, sublinhei passagens, fui e voltei...Esse mestre em Geografia e doutor em Estudos Étnicos e Africanos fez meu estômago revirar, meu peito arfar, o coração explodir em dores, os olhos em lágrimas, a boca em gritos...A cada vez que abri o livro, não estive só: sentavam-se ao meu lado Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Rachel de Queiróz, Guimarães Rosa, o Amado Jorge com Tereza Batista nunca cansada de batalhar...as também vinham personagens que conheci nos povoados abaixo de Mantena onde moramos nos meus primeiros 10 anos de vida!
Eu tinha que silenciá-los, não lhes cortando a língua, mas pedindo que ouvissem os personagens que chegavam com o fio narrativo do autor. (A muito custo consegui sossegar Marzila, a louca que caminhava pelos povoados do Contestado, conversando com os encantados, Tidurico e suas poções curativas; dona Dorina e suas rezas infinitas e sô meutiGabrié, com a foicinha na mão).
Tudo começa com Bibiana e Belonísia, as irmãs que no afã infantil de conhecer os segredos da avó Donana, encontram em seus parcos pertences uma faca e a colocam-na boca. Ambas se cortam, uma delas perde a língua, a fala e é condenada ao silêncio. Ocorreu-me no fato uma representação da sina do homem da roça, a população rural advinda da escravidão que nunca teve vez e voz, vivendo até hoje em condições sub-humanas por esses brasis a fora, quem não crê que relembre as notícias sobre trabalho escravo que recentemente tornaram amargos os rutilantes vinhos e são recorrentes por todo o país. E uma irmã se torna a voz da outra...
Viviam uma vida duríssima, numa fazenda que não permitia que os trabalhadores construíssem casas de tijolos, só de barro, para evitar que tivessem idéias” de posse.
E lá vem o capataz, feitor de escravos cognominado de gerente, que oprimia o pessoal, amargando ainda mais a dura existência...
E lá vem Zeca Chapéu Grande, curandeiro, trabalhador de sol a sol, guardador dos segredos do Jarê, religião de origem africana, cavalo dos encantados...
E na urdidura do tempo, após a abolição da escravatura sem leis trabalhistas para amparar os trabalhadores, vê-se o atraso do país que tenta tapar o sol com a peneira, varrer pra debaixo do tapete as profundas diferenças na vida de quem foi deixado à margem do progresso pelo governo brasileiro e pena até hoje para sobreviver! Mulheres fortes, sofridas, esculpidas sob o sol da labuta, batalhando de sol a sol e de chuva em chuva, na enxada e nas mansardas onde criam os filhos, chorei e choro com vocês na força do sangue de nossas veias ancestrais! Ficção e realidade se misturam, eu vivi nesse país que tenta ignorar os traumas gerados pela escravidão eu tenho na minha sala as Salustianas, Donanas e Maria Caboclas que me enchem de orgulho com a sua RESISTÊNCIA! Então, conto com alegria que Itamar Vieira lançou ontem, SALVAR O FOGO”, trazendo mais do país que teimam em esconder! Desentorta esse arado, Brasil! E nada mais digo...
* Escritora e encantadora de histórias
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Tião Aranha
25 de abril, 2023 | 18:55Este é o país do futuro que vai dar dar certo. Ainda mais agora que mudou de governo - significa que tudo está sendo resolvido. " Tudo vai dar certo"! Risos.”
Gildázio Garcia Vitor
25 de abril, 2023 | 17:41Excelente! Parabéns! Obrigado!
Querida Bugra velha, o impacto que este livro me causou, só posso comparar com o causado pelo romance "A Mãe", de Gorki, mas em um espaço temporal de quase 50 anos.
Este garoto, tenho certeza, veio para ficar entre os grandes romancistas do Brasil e do mundo.
Leia, rapidinho, "Salvar o Fogo" e coloque aqui suas análises misturadas com os seus personagens da vida real. Também tenho alguns, ali da zona rural de Orizânia, Divino, São João do Manhuaçu, Pedra Bonita e Santa Margarida.”