26 de abril, de 2023 | 15:00
Opinião: Equívoco da manutenção da prisão preventiva de Anderson Torres
Marcelo Aith *
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ao examinar o novo pedido de revogação da prisão preventiva formulada pela defesa de Anderson Torres, indeferiu, em síntese, por entender que ainda estão presentes os requisitos para a continuidade da investigação criminal.Ao analisar, o ministro asseverou que permanecem presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva de Anderson Gustavo Torres, reforçados por atos e fatos supervenientes àquela decretação, que fortaleceram a necessidade da segregação da liberdade durante a continuidade da investigação criminal, em especial, depoimentos de testemunhas e apreensão de documentos que apontam fortes indícios da participação do requerente na elaboração de uma suposta minuta golpista” e em uma operação golpista” da Polícia Rodoviária Federal para tentar subverter a legítima participação popular no 2º Turno das eleições presidenciais de 2022; bem como em sua conduta omissiva quanto à permanência do acampamento dos manifestantes no SMU (Setor Militar Urbano) e o risco daí gerado que culminou nos fatídicos atos do dia 08/01; além de seu possível envolvimento na autorização para mais de cem ônibus dirigirem-se ao referido SMU e prepararem-se para a prática dos atos criminosos”.
Além disso, Moraes destacou que Torres suprimiu das investigações a possibilidade de acesso ao seu telefone celular, consequentemente, das trocas de mensagens realizadas no dia dos atos golpistas e nos períodos anterior e posterior; e às suas mensagens eletrônicas. Somente mais de 100 dias após a ocorrência dos atos golpistas e com total possibilidade de supressão das informações ali existentes autorizou acesso às suas senhas pessoais de acesso à nuvem de seu e-mail pessoal”.
Há dois pontos que devem ser analisados na decisão do ministro Alexandre, para que se possa entender se foi certa ou não a manutenção da custódia cautelar de Anderson Torres.
Primeiro ponto consiste no fummus comissi delicti, tratada na parte final do artigo 312 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos: quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. O segundo ponto é o periculum libertatis, que está na primeira parte do citado dispositivo legal, senão vejamos: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”.
Não há dúvida que o primeiro ponto fummus comissi delicti está presente na espécie. Há fortes indícios da participação, por omissão, de Anderson Torres, especialmente pelo fato do ex-Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ter descumprido os deveres de acompanhamento e policiamento da manifestação que depredou os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, bem como a inação para o encerramento do acampamento montado em frente ao Quartel General do Exército, situado no Setor Militar Urbano, também em Brasília.
Por outro lado, o periculum libertatis apontado pelo ministro Alexandre não se afigura razoável. Moraes destaca que a manutenção da custódia cautelar se faz necessária, também, porque Torres teria dificultado o acesso ao seu telefone celular e, consequentemente, as trocas de mensagens realizadas no dia dos atos golpistas e nos períodos anterior e posterior. Com todo respeito ao ministro Alexandre de Moraes, impossibilitar o acesso ao conteúdo do celular, que pode conter provas contrárias ao interesse de um investigado, não é fundamentação idônea para manter uma prisão preventiva.
O Supremo Tribunal Federal já enfrentou essa questão, no HC 192.380, julgado em 6 de outubro de 2020, de relatoria do ministro Dias Toffoli, oportunidade em que pontuou que a negativa por parte do investigado de fornecer a senha dos seus aparelhos apreendidos não caracteriza justificativa idônea a justificar a prisão temporária, pois, diante do princípio nemo tenetur se detegere, não pode o investigado ser compelido a fornecer suposta prova de levar à caracterização de sua culpa”.
Segundo o princípio do nemo tenetur se detegere, uma pessoa não pode ser forçada a fornecer provas contra si mesma. Isso significa que um indivíduo não pode ser obrigado a confessar um crime, nem pode ser obrigado a fornecer informações que possam levar à sua própria incriminação, tal como a senha de um celular. Esse princípio é baseado na ideia de que a acusação deve provar a culpa do réu por meio de evidências, e não por meio de confissões ou declarações auto incriminatórias. A Constituição da República, no artigo 5º, LXIII, bem como artigo 186 do Código de Processo Penal e o artigo 8.2. g” da Convenção Americana de Direitos Humanos sinalizam no sentido no referido princípio.
O ministro Rogério Schietti, ao analisar o HC 661.598, julgado em 19 de abril de 2022, portanto a pouco mais de um ano, asseverou que Em alinhamento aos postulados de um Estado Democrático de Direito, é impossível obrigar investigados a colaborar com a provisão de provas e contribuir para comprovar a pretensão acusatória, que pese em seu desfavor, como, p.ex., o fornecimento de senhas para acesso aos smartphones apreendidos”.
Ressalte-se que a Procuradoria Geral da República, instada a se manifestar em relação ao pedido formulado pela defesa de Torres, destacou que, no atual cenário da investigação, não mais subsistem os requisitos para a manutenção da segregação cautelar” e complementou: é cediço que a prisão preventiva possui natureza eminentemente processual e não tem como finalidade antecipar o cumprimento de pena, devendo observar as finalidades específicas do artigo 312 do Código de Processo Penal”.
Com efeito, não estão mais presentes os requisitos autorizadores para a decretação da prisão preventiva. Posto em liberdade, Torres não representa perigo para ordem pública, uma vez que sequer está no cargo, muito menos risco para instrução produção das provas, haja vista que não poderá, solto, interferir na busca de qualquer elemento de informação.
A manutenção da prisão de Torres se aproxima, perigosamente, ao modus operandi da famigerada Lava Jato, que detinha investigados presos por longos períodos com o objetivo que estes firmassem colaborações premiadas. Independentemente da cor da bandeira ou da ideologia, não podemos compactuar com prisões cautelares desnecessárias. Não se pode esquecer que a prisão, em especial as cautelares, devem ser a última ratio.
* Advogado, latin legum magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP
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Tião Aranha
26 de abril, 2023 | 18:31Tenho batido concomitantemente que os aparelhos investigativos e de polícia precisam ser aperfeiçoados neste país, a exemplo dos EUA. O problema, aqui, que os mesmos que investigam tb prendem sem respeitar os limites da censura-, a ponto de um ministro ter que chamar a atenção do outro em plena assembleia do tribunal. Não tô falando mentira não, a internet tá aí pra mostrar. Absurdo! Risos.”
Gildázio Garcia Vitor
26 de abril, 2023 | 15:39Gostei das expressões em Latim, só não entendi nada!
Parece-me, que vossa excelência resolveu defender todos os golpistas do dia 8/1/2023. A soltura do Sr. Anderson Torres pode colocar em risco as investigações, que ainda estão em andamento, com coleta de provas e de interrogatórios. Não podemos esquecer que ele foi Ministro da Justiça do Brasil e, portanto, tem acesso a pessoas e prováveis investigados e a provas documentais que a PF ainda não encontrou.”