22 de junho, de 2023 | 13:00
Opinião: Os europeus e a Amazônia
Kleber Barbosa Junior *
Dias atrás, numa conversa com um funcionário da Cia. Acesita (hoje a chamam Aperam”), perguntei se o carvão utilizado na produção de gusa pela empresa ainda era mineral ou se já havia sido feita a conversão para o vegetal (na década de 1990, num retrocesso grave, a empresa abandonara o uso de 50 anos do vegetal e optara pelo sujo e poluente mineral, ator do aquecimento global).Após me confirmar a conversão ao carvão vegetal, o rapaz adotou um discurso ideológico de ataque aos europeus” que pensam impor condições nas relações comerciais da União Europeia com o Brasil vinculadas ao combate ao desmatamento em nosso país, principalmente na Amazônia. O argumento” de desqualificação da exigência é o de que na Europa desde os séculos iniciais da industrialização (Revolução Industrial) ocorreu um desmatamento da maior parte das florestas e que por isso não poderiam exigir qualquer ação de preservação dos brasileiros. Seria então uma hipocrisia” dos europeus nos exigir o que não fizeram em seus países.
Fiquei surpreso com a simplificação primária somada a uma visão superficial e parcial das circunstâncias históricas, econômicas e ambientais tanto do Velho Mundo como do Brasil nos últimos cinco séculos.
A consciência ambiental no mundo é uma percepção disseminada somente a partir das décadas de 1960/1970 tendo, portanto, gerado medidas de preservação em larga escala faz menos de 60 anos. O orgulho brasileiro” pela preservação de mais de 80% da Amazônia até o século 21 não pode ser creditado a uma atitude de consciência ambiental dos brasileiros que teria atravessado os séculos.
Na realidade, a Amazônia brasileira com seus 3,5 milhões de km2 de florestas e rios se manteve quase intacta desde 1.500 até o século 21 porque foi um território praticamente à margem dos ciclos econômicos que dinamizaram o Brasil Colônia, Império e República. Os ciclos da cana-de-açúcar, do ouro, do café a pecuária e, recentemente, da soja além da industrialização (a partir de 1870) passaram muito distantes da Amazônia.
O único ciclo de algum relevo na região foi o da borracha na 2ª metade do século 19. Mas foi algo efêmero e que entrou em decadência quando ingleses contrabandearam sementes de seringueira e as cultivaram na Ásia.
Se no passado ocorreram devastações em quaisquer
continentes, isso não torna legítimo que outros
povos sigam esse exemplo no presente”
Na parte Ocidental da Europa, cuja mobilização pela preservação da Amazônia é criticada por conservadores antiambientalistas brasileiros, não houve espaço numa extensão considerável que tenha ficado intocado por não ter sido explorado economicamente. Um dos fatores que inicialmente explicam os diferentes níveis de preservação entre as florestas europeias e a amazônica é a evolução da ocupação humana.
Em 1900, enquanto os europeus atingiam 400 milhões de habitantes, o Brasil com seus 8,5 milhões de km2 contava com menos de 5% disso, cerca de 17 milhões, a imensa maioria no litoral e nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul. A Amazônia brasileira, em 1900, era povoada por somente 695.000 pessoas, ou seja, seus 3,5 milhões de km2 eram habitados por uma população equivalente ao dobro do Vale do Aço atualmente. Um deserto demográfico.
Apenas em meados da década de 1970, a Amazônia brasileira chegou a seis milhões de habitantes, a mesma estimada para Região Metropolitana de BH em 2020. O vazio populacional pela incipiente incorporação deste imenso território preservado à economia de mercado predatória nestes cinco séculos foi o fator essencial para a manutenção da floresta em pé e não algum hipotético senso de preservação dos brasileiros.
Na imensidão amazônica, de 1500 a 1970, a floresta sobrevivia intacta habitada somente por indígenas e ribeirinhos, todos numa convivência harmônica com os rios e a mata. Com isso, chegou-se ao fim da década de 1960 com cerca de 90% da vegetação original preservados. Em comparação, a região da Mata Atlântica, onde se desenvolveu intensivamente a colonização e o eixo de desenvolvimento econômico, assistiu um desmatamento desenfreado desde o século 16.
A Mata Atlântica que cobre do Nordeste ao Sul, passando pelo Sudeste, perdeu 86% de sua vegetação original. Outros biomas, como a Caatinga e o Cerrado perderam aproximadamente 50% da cobertura vegetal original. Isso por si só já desmente a fantasia de que os brasileiros tiveram em 500 anos uma postura preservacionista que manteve a Amazônia quase intocada.
No Velho Mundo, ocorre uma situação similar.
O planeta encontra-se já sob efeito do aquecimento
global e se não for neutralizado com urgência,
causará graves tragédias para os humanos”
Enquanto a Europa Ocidental devastou as matas existentes na ampla faixa onde se expandiu a industrialização e o comércio, na região euroasiática que ficou à margem da economia de mercado, uma imensa floresta com área muito superior à Amazônia também ficou praticamente intacta.
É a floresta de taiga, com 815 milhões de hectares, situada nas zonas temperada e ártica. É um bioma com 1/3 das florestas do planeta, a maior parte na Rússia europeia e asiática, formada de pinheiros, abetos, cedros e grosso modo cobrindo um território com o dobro da Amazônia sul-americana. Ou seja, onde não se desenvolveu uma economia industrial e comercial agressiva, os europeus também não promoveram desmatamento.
Portanto, é metodologicamente incorreto brasileiros conservadores realizarem comparação entre o desmatamento no Velho Mundo com a preservação da Amazônia. O território euroasiático com que se poderia comparar com a Amazônia seria a taiga siberiana cuja vegetação também se manteve basicamente intacta até o presente. De qualquer modo, essa disputa sobre quem devastou mais” é uma visão estreita porque o meio ambiente é um patrimônio universal, de toda a Humanidade. Se no passado ocorreram devastações em quaisquer continentes, isso não torna legítimo que outros povos sigam esse exemplo no presente.
O planeta encontra-se já sob efeito do aquecimento global de causa antrópica (humana) que, se não for neutralizado com urgência, causará graves tragédias para os seres humanos de todas as regiões, latitudes e países. Não perceber e não agir para evitar isso com argumentos ideológicos e econômicos seria de uma cegueira brutal.
* Professor de História, sociólogo e trabalhou no Depto. de Meio Ambiente da Prefeitura de Ipatinga (2002-2016).
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Gildázio Garcia Vitor
22 de junho, 2023 | 16:48Valeu Klebinho! Parabéns! Excelentes argumentos e ponderações!
Um fraterno abraço deste velho Companheiro.”