25 de julho, de 2023 | 12:00

O engano

Nena de Castro *


José Aderbaran da Silva, vulgo Zoim Prego, filho de dona Frô e seu Zito, não valia nada , dizia o povo. Embora seus pais e irmãos fossem honestos trabalhadores do campo, desde a meninice Zoim Prego só queria moleza, dando um jeito de sair fora das tarefas que lhe eram designadas. O pouco que fazia era tão malfeito que a mãe vivia indo atrás, a fim de consertar os estragos, pois se ele ia tratar das aves, deixava o galinheiro aberto e as galinhas se espalhavam; de certa vez toda a família teve que correr atrás dos porcos que fugiram do chiqueiro... Nem pra buscar água na cisterna o Zoim servia, pois a água “saltava” do balde e só chegava um pouquim, apesar de jurar que a vasilha estava cheia até a boca e ele não sabia explicar causa de quê tinha entornado... No entanto, já rapaz, na farra, futebol, baile e festa junina, Zoim se destacava por beber muita pinga, puxar briga e dançar até o raiar do sol. Foi pois um alívio quando ele decidiu se casar com Joana, filha da viúva Tercina, moradora da pequena vila, que tinha uma casinha e um terrenim por perto. A mãe da moça avisou pra Zoim que a filha era muito braba. Ele riu com gosto, e disse que dava conta. Casaram-se e foram morar num barraco no terreno perto da vila e Zoim logo se destacou como fazedor de filhos, era um por ano, em pouco tempo tinham seis, dois meninos e quatro meninas dos quais a mulher cuidava como podia. Pouco amigo do trabalho, dizia que ia capinar o quintal e daí a pouco sumia, sob o pretexto de precisar de outra enxada. Só voltava de madrugada, trêbado e falando bobagens. Daí ia dormir, acordava tarde e ficava procurando um jeito de sair, de ir pra esbórnia. De tanto a mulher xingar, arranjou um trabalho de serrador na Serraria de Mané Pinto, o que lhe permitia ter uns caraminguás dos quais a família pouco via, pois eram gastos na zona boêmia com a farra. Foi então que chegou ao bordel uma morena nova, Benedita Flor de Maio e Zoim caiu de amores por ela, sendo correspondido. Arranjou um barraco pra moça, que quando não estava na função, recebia Zoim em casa para carinhos sem fim. Dava sempre presentes pra amada, e com isso a vida de Maria Joana e das crianças ficava ainda mais apertada. Esforçada e corajosa, fazia pé de moleque pros filhos venderem na rua, cuidava da horta, costurava pras vizinhas... Mas avisava ao marido que um dia a casa ia cair, ele ia dormir e amanhecer morto e outros que tais. Uma tarde, as meninas brincando no quintal foram pegar um caixote e viram um embrulho lá dentro, que levaram pra mãe. Aberto o pacote, Joana descobriu uma anágua de jersey com renda fina, coisa cara. O ódio supitou na mulher, que sentou no banco perto da porta e ficou esperando o marido. Ele chegou e teve o pacote atirado na fuça!

-Certamente é para uma rapariga, gritou Joana, chamando Zoim de “santo e rapadura” ou seja de nomes muto feios. Zoim empalideceu, mas logo disse que era uma surpresa para ela, sua querida esposa e que a as meninas tinham estragado tudo, ara! Dessa vez, escapou por um triz, e naquela noite não saiu, para acalmar a esposa, que guardou a peça e cismada, não usou. Na semana seguinte, já refeito do susto, resolveu agradar Benedita e comprou na feira, uma rapadura, um queijo e uma jaca enorme, bem madura. Chamou Miguelin, o ligeirim da vila e lhe deu uma moeda pedindo-lhe que entregasse na casa de sua amada. Era dia de procissão do santo padroeiro, havia uma multidão ao redor da igrejinha e Zoim Prego, na venda defronte, bebia a saideira, olhando as pernas das moças, quando Joana surgiu, olhos em fogo, fúria de onça molhada! E todo o povo viu Joana arrebentar a jaca na cabeça do infiel, depois a rapadura e o queijo, falando coisas que muitos nunca tinham ouvido! Zoim Prego correu rua abaixo enquanto Joana
corria atrás, facão na mão. O marido gritava: - calma Joaninha, num era procê, era pra mamãe! Era pra mamãe!

Mentiroso! - gritou Joana enfurecida! Eu mais ela num comemo jaca, seu ordinário! (E nada mais digo, rs.)

* Escritora e encantadora de histórias

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

25 de julho, 2023 | 17:09

“Belíssimo texto! Parabéns!
Não fui um Zoim, mas fiz poucas e boas nas zonas, literalmente, rurais de Orizânia e de São João do Manhuaçu, e nas do meio urbano, especialmente de Coronel Fabriciano: Fia, Mineirão, Pinga etc. Quanta saudade!

"Saudade é amar um passado que ainda não passou,
[ ... ]
Saudade é sentir o que existe o que não existe mais"
(Neruda)”

Tião Aranha

25 de julho, 2023 | 12:27

“Esse Zoim é dos nossos, um angu perdido, como dizia minha avó. Risos.”

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