16 de outubro, de 2023 | 15:39

Mulheres...

Nena de Castro (*)


Dona Maria Tibúrcia levantava-se ao primeiro canto do galo. Lavava o rosto, amarrava o lenço prendendo o cabelo e começava a trabalhar. Acendia o fogo no fogão à lenha soprando as brasas remanescentes que dormiam no meio das cinzas, cruzava os gravetos, colocava uma palha de milho rasgada e pronto: a fumaça enchia a pequena cozinha, passando pelas mantas de carne e linguiças dependuradas acima do fogão.

Água na chaleira de ferro, pó de café torrado por ela e logo do coador bem ajustado ao mancebo de madeira, jorrava o líquido quente e cheiroso. Caneca cheia, uma lasca de requeijão caseiro e a mulher já estava pronta para mais um dia de trabalho. Jogou milho para os porcos e galinhas, aguou a pequena horta, pegou a trouxa de roupa e foi para a fonte, onde um “batedor” forjado num pequeno tronco de árvore, aguardava. As pelotas de sabão, feito na tacha de cobre, aguardavam o começo da limpeza, quando seriam usadas para ensaboar as peças e com a ajuda do sol e muita esfregação, deixariam a roupa limpa e os lençóis brancos, tratados com anil, voariam com o vento no varal. Depois viria o almoço, o café da tarde, a janta, as orações e o sono. O marido Tobias já se levantara e após o café, cuidava das três vacas no pequeno curral.

Assim viviam, de maneira simples, três dos filhos estavam casados, morando nas redondezas, a caçula estudando para ser professora...

Era assim, nesse mundo de muito trabalho que dona Maria Tibúrcia vivia, com a coragem das heroínas do cotidiano que tiram forças do fundo da alma para ordenar seu mundo, um mundo cruel, dominado pelos homens que lhes impõe castigos na jornada. Mulheres, verdadeiros mananciais da memória do porvir, corpos fortes para lutar por sua honra ou pela conquista do bem-estar que a sociedade tenta impedir de obter por si mesmas.

Ora, os homens não sabem da força necessária para fazer do cotidiano uma nova aventura, uma busca da essência da existência, do equilíbrio para se levar a vida, para ser mastro e farol, entretecendo no ventre seus filhos e guiando-os pela vida.

Eles não sabem que para manter nossa alegria, temos que lutar por ela, buscando o fortalecimento no nosso interior, pois o mundo nos envolve, laça, puxa para baixo, quer nos ver infelizes. E lá vem a fé e a esperança, servindo-nos de remos para continuarmos nossa jornada nesse mundo louco. E dona Maria Tibúrcia enfrentava a vida com a coragem, a serenidade, a fortaleza que toda mulher traz em si, seja ela Helena, Circe, Heloísa, Olímpia, Joana, ou a doce e cativante Sherazade que entendia a beleza das palavras, o ritmo, a entonação e da pausa para encantar os ouvidos cansados de um homem infeliz. E ela conseguiu curar o coração infeliz daquele monarca que mandava matar mulheres como se nada fossem.

É um grande mistério a força das mulheres que no lar ou trabalhando fora, desdobram-se em mil, multiplicam sua capacidade, lutam pelos seus, num mundo caótico e infeliz!

Que orgulho sinto de nossas batalhas e conquistas, são muitas histórias, infindáveis lutas, sonhos que se transformam em realidade tecidos por muitos esforços, malhas tricotadas com sangue, suor, lágrimas. E aos poucos vai a abelha fazendo o mel, vai a flor perfumando a vida, vai a coragem servindo de espada, vai a mulher construindo o mundo, que os homens insistem em destruir...

Mulheres: doce mistério, força infinda, coragem, um canto tribal subindo ao infinito na sua força e fé. E nada mais digo...


(*) Escritora e encantadora de histórias.


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Comentários

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Tião Aranha

16 de outubro, 2023 | 20:45

“Bom texto. A mulher vence pelo carinho e o homem pela coragem. Tá muito difícil ser homem nos dias de hoje, pois ser homem é ser artista. Mulher é o bicho. No bom sentido da palavra. Cê tá vendo lá no Oriente Médio, se fosse a mulher já tinham botado fogo nessa bobagem. Risos.”

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