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17 de outubro, de 2023 | 07:00

Opinião: Desprofissionalização do magistério?

William Passos*

“A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. A reflexão é atribuída ao antropólogo, mineiro de Montes Claros, e ex-ministro da Educação, Darcy Ribeiro, responsável pela criação da Universidade de Brasília e da Universidade Estadual do Norte Fluminense, onde concluí meu mestrado no ano de 2011.

Darcy Ribeiro, em parceria com Anísio Teixeira e outros educadores, defendia que a educação seria o melhor caminho para o progresso social, político e econômico do Brasil. Quando a independência de Portugal foi oficializada, em 1822, cerca de 99% da nossa população era analfabeta e o salário de um professor era inferior aos ganhos de um feitor de escravos. Quando a República foi proclamada, em 1889, 80% dos brasileiros não sabia ler nem escrever.

Foi somente a partir do programa “Toda Criança na Escola", lançado em 1997, que o Brasil conseguiu praticamente universalizar a educação de crianças de 7 a 14 anos. Atualmente, as estatísticas do Inep/MEC apontam que 99% desta faixa etária estão matriculadas no sistema educacional. Além do esforço pela universalização da educação básica, a década de 1990 foi marcada pela melhoria na infraestrutura das escolas e da formação acadêmica dos professores, com a expansão dos cursos de ensino superior em licenciatura, especialmente nas faculdades particulares.

“A desvalorização salarial e as péssimas condições
de trabalho são o triste retrato do desprezo de
uma profissão tão importante”


Na década seguinte, aprofundou-se a melhoria material das escolas, com a inclusão da educação infantil e do ensino médio no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Seguiu-se com o esforço de aprimoramento da formação acadêmica dos professores, com a criação dos Institutos Federais que, entre outros impactos, expandiram e interiorizaram a oferta de cursos de licenciatura, tornando a faculdade mais acessível aos moradores de cidades do interior e às camadas mais pobres da população.

Noutra direção, o governo federal buscou atacar o problema da desprofissionalização do magistério com a Lei nº 11.738/2008, que instituiu o piso salarial nacional do magistério público da educação básica, obrigando estados e municípios a criarem planos de carreira.

Exatos 15 anos após a Lei do Piso, a maioria esmagadora dos estados e municípios ainda não cumpre a legislação. Muitos, sequer, têm plano de carreira para os professores. Mas todos, sem exceção, recebem recursos do Fundeb, podem “furar” a Lei de Responsabilidade Fiscal para pagar o magistério e ainda contar com socorro financeiro do governo federal, em caso de indisponibilidade de caixa.

No caso do setor privado, a situação é ainda pior: além da desobrigação do pagamento do piso federal, válido apenas para escolas públicas, as escolas particulares não oferecem um plano de carreira para seus professores. Os resultados se refletem nas estatísticas de remuneração: os números do Ministério do Trabalho mostram que os professores da educação infantil do setor privado são os profissionais com os piores salários quando comparados aos profissionais de outras áreas com a mesma formação.

“Não se trata de um discurso ingênuo:
quem “trabalha por amor” não precisa de
salário nem de condições de trabalho dignas.”


A desvalorização salarial e as péssimas condições de trabalho (70% das salas de aula brasileiras, número do Censo Escolar, não têm climatização, transformando-se em verdadeiras “saunas” de aula nos dias mais quentes) são o triste retrato do desprezo de uma profissão tão importante. Muito mais do que ensinar, motivar e, muitas vezes, até acolher afetiva e emocionalmente, professores cumprem uma missão civilizatória: são os principais responsáveis pela transmissão do saber mais sofisticado acumulado pela humanidade.

Na contramão da importância monumental da profissão, difunde-se, ainda hoje, o discurso da desprofissionalização do magistério, ou seja, o de que o professor “trabalha por amor”. Não se trata de um discurso ingênuo: quem “trabalha por amor” não precisa de salário nem de condições de trabalho dignas.

A boa notícia é que estamos a menos de 1 ano da maioria dos municípios brasileiros elegerem o próximo prefeito e, consequentemente, quem conduzirá os rumos da educação nesses municípios nos quatro anos seguintes.

(*) Coordenador estatístico e de pesquisa do Observatório das Metropolizações Vale do Aço/IFMG Ipatinga. E-mail: [email protected]

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Comentários

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Flávio Barony

19 de outubro, 2023 | 13:37

“Infelizmente algumas bandeiras estão em desuso, inclusive a bandeira da Educação.
Outras bandeiras estão mais em voga: "direita", "esquerda", "aborto", "emenda parlamentar" e etc.”

Gildázio Garcia Vitor

17 de outubro, 2023 | 12:47

“Excelente! Parabéns! Obrigado! Não é à toa que sou seu fã.
Em mais de 41 anos dedicados ao Magistério, todos em salas de aula, nunca trabalhei por amor, sempre foi pelo mísero salário, que já foi bem pior que o atual, principalmente na Educação pública. Mas trabalhei e trabalho, às vezes com amor, às vezes não. Afinal, sou apenas um Profissional da Educação, como todos os outros profissionais dos demais setores, não um missionário vocacionado.”

Tião Aranha

17 de outubro, 2023 | 08:02

“Por desprezo ou esquecimento intencional no dia do professor a mídia nacional não dedicou sequer nenhuma linha de seus editoriais. Estamos mesmo desacreditados. Erro muito crasso, desprezível. Ou será que foi falta mesmo de interesse? Depois que a procissão passa, não adianta tirar o chapéu. Risos.”

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