15 de dezembro, de 2023 | 12:00

Poluição sonora

Márcia Lage *

O aquecimento global tirou de pauta a poluição sonora. Nos anos 1980 equipes da Defesa Civil saiam às ruas das capitais para medir os níveis de ruído, multavam bares com música ao vivo (com volume excessivo de sol) e acabavam com festinhas barulhentas depois das dez da noite.

Desconfio que o bico calado sobre o assunto venha do fato de que, no conjunto das causas da mudança climática, a poluição sonora é apenas mais uma consequência da falta de investimentos em transporte de massa.

Não há barulho maior do que o de buzinas, sirenes, escapamentos e caixas de som dos motoristas que já ficaram surdos e se vingam dos ouvintes acordando-os no meio da madrugada com um funk nas alturas.

Enquanto os governantes se atracam por campos de petróleo e estimulam a fabricação e a venda de carros para se eximirem da responsabilidade de construir metrôs, ferrovias e linhas de ônibus movidos a eletricidade, as metrópoles vão ficando insuportáveis.

“Ninguém dorme tranquilo nas gaiolas
de concreto das grandes cidades”


De acordo com o IBGE, em 2022 o Brasil tinha 61 milhões de veículos particulares rodando nas ruas, a maioria com uma pessoa dentro; e 26 milhões de motocicletas. Em 2023 as vendas de motos cresceram 19,68% e as de carro, 5,6%.
Cada veículo desses, movido a gasolina, lança na atmosfera 120 gramas de gás carbônico por quilômetro rodado. E o barulho que fazem é infernal. Todo mundo nervoso pelo trânsito que não anda, a cara para fora emitindo estrondosos palavrões contra motoqueiros que abrem caminho com buzinas e aceleradas desafiadoras. É de matar do coração os pedestres assustados.

Ninguém dorme tranquilo nas gaiolas de concreto das grandes cidades. De madrugada são os caminhões da coleta, a gritaria dos lixeiros, o impacto dos resíduos sendo lançados de longe na caçamba, que geme e tritura o sono dos justos.

A manhã os arranca da cama com tropéis de ônibus e freadas de caminhões competindo o desafio de chegar em algum lugar. Nas horas de pico, os níveis de barulho chegam a 70 decibéis, quando o limite tolerável é de 40.
Não é à toa que 10 milhões de brasileiros tenham deficiência auditiva e quase três milhões apresentam surdez profunda. Desse total. 57 por cento são pessoas acima dos 60 anos. Apenas 9 por cento nasceram com a deficiência, aponta estudos do Ministério da Saúde.

O problema só tende a piorar com a desatenção crônica às causas desse desconforto. Fechar bares e proibir festinhas é tão inócuo quanto querer conter a dengue.com fiscalização de vasos de plantas. O problema é macro.

Exige macro enfrentamento. Não soluções paliativas como tradutores de libras nos programas de TV, quotas para inclusão no mercado de trabalho, garantia de aparelhos auditivos no Sistema Público de Saúde.

É preciso calar as cidades com transporte de massa moderno, eficiente e capaz de suprir a demanda de todos. A solução individual para a questão da mobilidade urbana só agrava o desequilíbrio ambiental e o mal-estar humano.
Nessa altura do avanço para o caos do aquecimento global, tratado apenas como consequência de queimadas e deflorestamentos, é até compreensível que pessoas longamente expostas à barulhada incivilizatória das cidades se neguem a usar aparelhos auditivos.

Apesar do isolamento social, da discriminação e de vários tipos de demência que a surdez provoca, deve ser um alivio poder dormir em paz depois de mais de seis décadas de sobressaltos noturnos.

* Jornalista e escritora. Publica crônicas semanais no site 50emais e em sua página no Facebook: Marcia.Lage1

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Comentários

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Javé do Outro Lado do Mundo

15 de dezembro, 2023 | 11:19

“Bom texto, como intelectuais que que somos, temos que envolver mais as autoridades quanto a população na manutenção da Paz e da Estabilidade como ferramentas essenciais para a construção do futuro desta nação. É tarefa difícil, mas não impossível. Rs.”

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