15 de janeiro, de 2024 | 15:34
Epifania
Nena de Castro *
Salvo melhor juízo, corria o ano de 1958. Eu ia completar 9 anos. Tínhamos nos mudado de Mendes Pimentel para Tipiti, que fica depois de Itabirinha de Mantena. Meu pai era comerciante e tinha uma venda. Mais tarde passou a lidar também com padaria. Minha mãe, eu, dois irmãos e três irmãs, mais os primos que viviam conosco, eis a família.
O povoado era bem agitado, ocorriam muitas mortes executadas por jagunços contratados por fazendeiros e era um centro de problemas por causa da dupla jurisdição de Minas e Espírito Santo, o tristemente famoso Contestado! Os padres capuchinhos apareciam em lombos de mulas e cavalos, rezavam as missas, ouviam confissões, faziam procissões, casamentos, batizados... Frei Inocêncio de Comiso esteve por lá. E os dias se sucediam entre mortes, rusgas entre soldados mineiros e capixabas, perseguição às famílias por causa do lado” em que estavam, esqueciam que era só um Brasil que devia pertencer a todos!
Havia garimpos de pedras preciosas nas redondezas, muito café plantado e matas ao redor com um tesouro imenso de jequitibás, imbaúbas, cedros, braúnas, perobas, jacarandás que eram cortados indiscriminadamente e transportados para as madeireiras de Gov. Valadares em carretas da Imapebra e Cobraice! Mas também havia alegria nos festejos de maio e nas fogueiras de São João e São Pedro, lambaris com abundância no ribeirão, e manhãs de sol. Contudo, hoje não quero me adentrar em lembranças de injustiças, quero contar pros meus cinco leitores o impacto que tive logo que nos mudamos para o local. Certa noite nós fomos ao acanhado salão da igreja, era uma comemoração, não sei bem qual. E após as orações, surgiu uma moça magra, clarinha, que era a catequista, com um violão e começou a cantar:
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração
Eu tive uma espécie de sentimento estranho, a beleza me envolveu de uma maneira tão doce em seus braços leves, que fiquei como que suspensa, pendurada por teias de prata de uma aranha invisível, dançando no ar, quase não respirando... Apesar de viver quase no fim do mundo, eu já ouvira lindas canções em nosso rádio e lia muito, desde que aprendi a dominar as letras! Mas aquela canção emulando a lua prateada que nos iluminava tocou as cordas da minha alma, e a canção e a lua cheia” se aninharam no meu coração! Tive a certeza de que ia escrever coisas lindas, maiores do que eu, que ainda não compreendia, mas já amava.
Mestre Aurélio Buarque de Holanda em seu Dicionário da Língua Portuguesa, explica que epifania é uma aparição ou manifestação divina”. Outros autores afirmam que o termo é aplicado quando um pensamento inspirado ou iluminante acontece, parecendo ser divino em natureza. Seria uma revelação, iluminação, inspiração, lampejo, sopro, visão, elã, centelha.
Ao voltarmos para casa, um dos meus irmãos disse que a cantora, cujo apelido era Branca, tinha saído do tom. Eu não sei se desafinou, só sei aquela moça me transportou a mares nunca dantes navegados” ao cantar a canção de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, me banhando em Poesia, Beleza e Alegria em uma vilazinha do interior das Gerais. E nada mais digo...
* Escritora e encantadora de histórias
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Javé do Outro Lado do Mundo
15 de janeiro, 2024 | 19:16Bom, o ser humano quando se apega às coisas materiais ele perde sua capacidade de iluminação. É preciso ter muita epifania. Rs.”