05 de março, de 2024 | 11:30

Ripa na sanfoninha!

Nena de Castro *


Bom dia, meus amados cinco leitores! Vamos de reminiscências que nos remetem a coisas atuais. Afinal, do “museu de grandes novidades” de Cazuza, vemos um repeteco todos os dias de “bubiça e tuliça”, como diz tia Bugra Velha!
Não me lembro bem o ano. Eu escrevia pro então Diário da Manhã e participava de tudo na área cultural da cidade. A querida Wanda Silveira era Coordenadora Municipal de Cultura. Fez coisas muito boas. Então eu sugeri que ela organizasse um grupo para colher histórias dos antigos moradores da cidade, gravando suas lembranças e seus causos. E daí, certa noite na Biblioteca Zumbi dos Palmares, os rapazes nos contaram alguns depoimentos.

O ator Ademar Pinto Coelho, outro querido que fez parte do grupo, narrou o que se segue: a partir de meados da década de 50, com a construção da Usiminas, o vilarejo de 300 habitantes e 70 moradias passou por grandes mudanças. Chegavam operários, aventureiros e gente de todo tipo que queria se dar bem e prosperar junto com a vila. Então foi uma efervescência total, bairros sendo construídos, o comércio e a zona boêmia prosperando, famílias inteiras chegando...

Nesse meio, seu Zé da Sanfona, morador do centro, conseguiu um trabalho em uma empreiteira. Passou a ser um trabalhador “fichado” carteira assinada, salário todo fim de mês, o que trouxe mudanças para a família, que passou a viver melhor, claro. Então, em todo pagamento, feliz da vida, Zé pegava sua sanfona e cantava na porta de sua casa, bebendo com amigos e festejando a vida.

Não se sabe quem denunciou o Zé como perturbador da ordem pública. Algum vizinho invejoso, um antigo desafeto, vai saber. O fato é que o delegado militar mandou prender o Zé e que trouxessem o instrumento usado na balbúrdia! Ao comparecer perante a autoridade, Zé foi chamado de baderneiro, entre outras coisas piores e então o delegado lhe disse que já que gostava de tocar, que tocasse! De pé, no pátio, com um soldado perto para impedir que parasse, sob ameaça de borrachadas nas costas, o pobre Zé foi tocando, sol na cabeça, por muitas horas. Quando lhe permitiram parar, à tardinha, seus dedos sangravam.

Após mais um sermão, deixaram que se fosse, avisando-o que se soubessem que ele voltara a tocar, a coisa seria bem pior. De cabeça baixa, Zé caminhou até sua casa e entrou na cozinha. Pegou a faca e foi esfaqueando a sanfoninha, pedaço por pedaço, e ao fim, pôs fogo nas partes despedaçadas. E nunca mais se ouviu a música alegre do peão nos dias de pagamento. Afinal, para os fiscais da vida alheia e fundamentalistas afins, a música, dança, os livros e qualquer outra manifestação de cultura e alegria é algo que se deve destruir. Que Deus nos livre desses imbecis! E nada mais digo...

* Escritora e encantadora de histórias

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