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14 de março, de 2024 | 11:00

Opinião: Lições de árvore

Ana Rosa Vidigal *


Vi uma foto que me chamou bastante a atenção: uma árvore sendo preparada para uma ‘transposição’. Na legenda, o contexto: no Japão, árvores centenárias são respeitadas, reverenciadas e, por isso, transplantadas, quando é preciso fazer alguma intervenção no terreno, como um empreendimento ou algo assim. Essa da foto é estimada em 165 anos de idade. A longevidade é, em absoluto, uma lição de árvore.

E tantas outras lições figuram na lista. Uma delas poderia apontar, de forma bem pragmática e atual, a valorização da arborização na discussão complexa e polêmica da crise climática – há cidades inteiras que estão se transformando pelo replantio de árvores. Por meio de um projeto urbanístico com ‘corredores verdes’, é possível perceber significativamente a redução das altas temperaturas, da vulnerabilidade aos impactos das mudanças do clima, e também da poluição do ar e das infecções respiratórias.

Mas a sustentabilidade se estende, se podemos dizer assim, a muitos outros fatores, como os socioemocionais. Diz respeito também ao contato com a natureza, a expansão do entendimento e da preservação do meio ambiente, à conexão com outras formas de estar vivo e o que esses movimentos representam para a humanidade. Tudo isso se manifesta de acordo com as crenças de cada um, a sensibilidade e a empatia que se demonstra no que diz respeito ao coletivo e ao compromisso de construção de um mundo melhor para nós e para as próximas gerações.

“Se você diz ‘árvore’, a ideia que se apresenta é quase sempre a mesma: fortaleza, bem-aventurança, integridade, sabedoria”

Nesse sentido, estar embaixo da copa de uma árvore é, para mim, como o privilégio de uma benção que se estende para além da nossa condição humana, condição de seres vivos e que partilham a vida, a seiva e a oportunidade de se desenvolver, transformar e de se renovar.

Uma árvore pode vir de uma só semente, que explode em raízes e folhas, firmando-se no propósito de existir. Desloca-se da terra em direção ao céu, sempre arraigadas ao território, e, de forma ereta, comprometida com sua missão. Acolhe em sua sombra, alimenta com seus frutos e encanta com suas flores. Está ali para nós, para nos mostrar que é possível manter-se para o alto, de maneira única e conjunta, ao mesmo tempo. Sem temer o chão, as origens, a razão. Uma árvore é abrigo do infinito, nela se encerra o devir, a sacralidade do que podemos ser. Do que podemos nos tornar, do propósito único e universal que nos perpassa em humanidade, ao eclodir da semente a concretização do melhor de si e do viver em si o melhor em sua versão de existir.

Árvore. Nessa palavra, pelo menos nas línguas ocidentais, há sempre uma grafia “r”, ‘r’ que me lembra retidão. Essa palavra que diz da forma de se conduzir no caminho reto, justo, correto. Emblemática, a árvore é o símbolo da vida: seja pelo tronco desse propósito; seja pelas raízes da tradição, da ancestralidade, do nosso ‘chão’. Seja pela copa: razão de ser, proteção, sombra farta, transformação. Seja pelas folhas, frutos e flores: colheita, doação, abundância, circularidade, partilha, benevolência, generosidade.

Se você diz ‘árvore’, a ideia que se apresenta é quase sempre a mesma: fortaleza, bem-aventurança, integridade, sabedoria. Árvore dita, vista ou lida inspira dignidade. É a materialidade de algo muito potente, forte e transcendente. Do chão ao vão, da semente à profusão de vida.

Árvore é para a existência, assim como a faísca é para tocha. Uma centelha do universo, da força do universo, do que move o universo, bem ali como uma representação do que se é, do que é possível ser e do que é possível vir a ser. Árvore é lição de transcendência. Árvores e suas lições são para a vida inteira.

* Professora, psicopedagoga e jornalista. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de professores da Educação Básica e do Ensino Superior, e de gestores, líderes e equipes, ministrando palestras e cursos nos domínios da Educação, da Comunicação e do Socioemocional, suas interfaces nas relações humanas e na construção do vínculo.
Instagram:@saberescirculares email: [email protected]

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Comentários

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Lidiane Ferreira Sant Ana

14 de março, 2024 | 20:13

“Que texto poético! Quanta sensibilidade e profundidade.”

Rosângela Mendonça Teles

14 de março, 2024 | 08:03

“Muito lindo e inspirador este texto. Eu adoro as árvores e sempre busco estar com elas, nem que seja pelo olhar e audição ao escutar a sua dança com o vento. Acolhimento, resiliência e dignidade são mensagens que essas criaturas tão majestosas e belas me passam. Obrigada pelo lindo texto.”

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