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25 de abril, de 2024 | 07:00

Desculpe responder só agora

Ana Rosa Vidigal *


“Desculpe só responder agora”, disse um senhor, em uma mensagem gravada no celular. Quantas vezes já dissemos ou escrevemos isso após o advento das redes sociais? A sensação é de urgência, como se cada mensagem recebida aguardasse uma resposta de forma imediata. A impressão que temos é que o retorno venha ‘a tempo e à hora’, como dizem os mineiros.

E de onde viria essa pressão ‘social’ por uma resposta rápida? Não me refiro aqui à conversa comercial, mas ao nosso cotidiano pessoal. Se passamos o dia sem retornar a mensagem recebida, é descaso. Vão entender como tal.
Parece haver até como ‘código de conduta’: se mandei a você uma mensagem, e você ainda não me respondeu, embora tenha visto você online várias vezes, o que pode estar acontecendo?

Posso pensar que você não se interessa pelo conteúdo, ou que você está aborrecido comigo, conjecturas que sempre levam a ‘mim’ – ou seja, como parte da interlocução, a questão se volta para o atendimento de ‘minhas’ necessidades, ou para um desafeto a ‘meu’ respeito ou algo do tipo. Daí surgem hipóteses variadas, fantasiadas em sua maioria, que minam temporariamente uma comunicação assertiva.

Ou seja, se eu envio a mensagem e espero que você se posicione incontinenti em relação a ela, não estou verdadeiramente incluindo você em minha interlocução, não é verdade? Se não há um movimento de minha parte para entender sua situação, suas condições e suas circunstâncias, é provável que eu esteja conversando comigo mesma.

Veja como é perceptível essa ‘imposição comunicativa’ sobretudo em contexto digital: por que escolhemos mandar mensagem em vez de dar um telefonema? Muito provavelmente porque o processo é mais simples – enviar mensagem pressupõe uma só ação – ‘enviar’, enquanto que uma ligação já aciona muitas variáveis – chamar, aguardar o tempo do outro atender – se não atender, escolher outro horário para chamar novamente. Em seguida, iniciar a interação com o ato de cumprimentar, aguardar o outro responder – e se o outro vier com um assunto que ele considere mais urgente? Mais importante, mais interessante, e desvie meu intento de dar ‘meu recado’? Ou apresentar ‘minha demanda’? Ou resolver ‘meu problema’ primeiro?

A ligação engendra toda uma negociação, que faz parte de todo processo de comunicação e que, em geral, na pressa do cotidiano, queremos evitar. Então, considerando esse, digamos, ‘distanciamento’ proposital do outro, será que o que pretendemos realmente é nos comunicar? Será que o outro é efetivamente ‘bem-vindo’ na conversa que propomos a ele?
“Considerando esse, digamos, ‘distanciamento’ proposital do outro, será que o que pretendemos realmente é nos comunicar?”


Outro dia liguei para uma pessoa que estava online. Ela não atendeu. “Bem, imaginei, ela pode estar em outra ligação, ou com algo em prioridade”. Nesse intervalo de segundos, ela me envia uma mensagem de prontidão e disponibilidade para conversar comigo. Pensei: “por que não atendeu o telefone, se está disponível?”. E me lembrei que o mesmo gesto pode acontecer com votos de feliz aniversário: a maioria são em forma de mensagens, quando muito. Aquele telefonema caloroso, exclusivo, alegre, personalizado, generoso e merecido pela data única para alguém... aonde foi parar?

A resposta veio por minha filha caçula: “mãe, ninguém responde ligação mais. É só mensagem”. Interessante. Atender uma ligação, realmente, dá trabalho. Interagir dá trabalho. Entender o outro em suas particularidades, em seu tempo, em sua cadência de voz, em sua condição, e equilibrar o que vem de mim e o que vem do outro, dá muito trabalho.

Por isso, pedimos desculpas. Porque parece estar normalizado, em nossas novas formas de interação social, que estamos funcionando por ‘teclas’: comandos acionados que devem ‘reagir’. E o fato de não responder a esses comandos, quase que simultaneamente ao chamado da mensagem, parece não estar nas regras.

Por isso, seguimos nesse ritual de nos desculparmos por não agir no esperado, por não 'funcionarmos' na mesma velocidade cósmica da luz em que acionamos o espaço das redes e seus apelos sociais. Pedimos desculpas pela nossa forma humana de existir.

Nesse ritmo moderno, já buscando prevenir desavenças pela inadequação aos novos tempos, bem faz um amigo meu, técnico em informática, que já deixa seu recado nos status do seu WhatsApp pessoal: “desculpe, às vezes demoro para responder”. E, ainda assim, há quem afirme que isso não garante com certeza que as desculpas desse meu amigo serão invariavelmente compreendidas, e, na sequência, genuinamente aceitas.

* Professora, psicopedagoga e jornalista. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de professores, gestores, líderes e equipes, ministrando palestras e cursos nos domínios da Educação, da Comunicação e do Socioemocional, suas interfaces nas relações humanas e na construção do vínculo. Publica às quintas-feiras, na Editoria Opinião do Jornal Diário do Aço, temáticas relacionadas ao desenvolvimento humano. Instagram: @saberescirculares email: [email protected]

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Comentários

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Nelson Tucci

28 de abril, 2024 | 08:21

“Excelente texto. Foi no ponto, a professora. Recentemente abordei o tema, devido ao desmedido imediatismo que pode levar pessoas ao esgotamento mental.”

?urea Tomasi

25 de abril, 2024 | 16:42

“Muito pertinente essa reflexão Ana Rosa! Acredito que a tecnologia avançou muito nessa área deixando as pessoas perdidas sem saberem como lidar com essa nova forma de comunicação, mais prática mas também mais fria a meu ver. Uma das maiores vantagem do zap talvez seja justamente enviar a mensagem para quando o interlocutor tiver tempo de ler e responder com calma, Mas concordo que em geral as pessoas não sabem respeitar o tempo do outro ("prends ton temps" não é assim que os franceses dizem?) porque estão muito voltadas para elas próprias e seus interesses. Mas nossa insegurança também entra nessa história e gera sentimentos ruins, muitas vezes equivocados na espera de uma resposta. Enfim, "c'est pas évident du tout!!" Parabéns pela escolha e a forma de abordar esse tema!”

Geter Cunha

25 de abril, 2024 | 16:10

“As vezes a prioridade de quem manda uma mensagem não é a mesma de quem a recebeu, lembrando que uma mensagem pode salvar uma vida ou mudar o dia ruim de alguém.....vale apena responder nem que seja pra dizer ti ligo depois..”

Andrea Theodoro Dias Duarte

25 de abril, 2024 | 13:59

“Parabéns Ana!
Excelente tecto! Realmente a comunicação mudou, as pessoas mudaram, mas acredito que tudo seguiria bem se todos fizermos as coisas pelo amor , com o coração e se procurássemos transmitir as pessoas .
Grande abraço,
Andréa”

Maurício Flávio dos Santos

25 de abril, 2024 | 12:36

“Cara Ana Rosa, as relações sociais estão em constante mudança, de forma cada vez mais rápida e estranha, pelo menos para mim, que aprecio um dedo de prosa. Atualmente a preferência é por digitar a msg (por motivos óbvios) e querer a resposta imediatamente, caso contrário com certeza haverá indignação por parte de quem a enviou. Manifestar desejo de visitar aquele seu "considerado" se torna uma péssima ideia quando ele te diz que dificilmente estará em casa. As pessoas estão se evitando, optando pela interação virtual que para elas é mais simples e objetiva mas que resumo como insossa e opaca.”

Elisangela Boggione

25 de abril, 2024 | 11:36

“Excelente reflexão, Ana!!! ??????”

Gracielle Rodrigues de Souza Cunha Silva

25 de abril, 2024 | 10:09

“Parabéns pelo texto, Ana Rosa Vidigal!
O texto expressa muito bem a nossa realidade e nos faz repensar sobre nossas ações e nosso modo de agir. Não devemos deixar momentos tão importantes se passarem sem darmos a devida importância. Que saibamos aproveitar os momentos juntos de quem amamos e que não fique somente no digital.
Obrigada, Ana Rosa Vidigal! Por compartilhar essa matéria que nos faz enxergar que devemos mudar atitudes do nosso cotidiano.”

Erica

25 de abril, 2024 | 08:37

“Excelente texto, Ana! Obrigada!! :-)
Um verdadeiro convite à reflexão sobre nossa forma "rápida" de nos comunicar.
Acredito que um caminho para melhorarmos nossa comunicação é nos encontros, no olho no olho, no formato analógico e desconectados do digital.
Um abraço!”

Beiçola Bom de Bola

25 de abril, 2024 | 08:10

“Fatos não se justificam. Os valores mudaram: as pessoas ficaram mais frias e calculistas. Quando se perde a memória, os valores vão atrás. Mas país que todo ano tem carnaval é isso mesmo. Isso vem errado desde lá de trás, dá época dos barões. Bem fez Rui Barbosa que gostava de fotografar os ambientes sociais, e não os ambientes naturais.”

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