07 de julho, de 2024 | 10:30

É difícil de entender, mas as OSC são malvistas por internautas

Tomáz de Aquino Resende *

As redes sociais digitais são como uma imensa comunidade global, sem fronteiras, sem governos, sem língua oficial e, muitas vezes, sem grandes conhecimentos enraizados também. Neste substrato tecnológico, democracia e liberdade de expressão - claro, delimitada pelo respeito às leis - convivem forçadamente com fluxos de discursos de ódio e de desinformação.

Tudo isso forma uma sopa de conteúdos desconexos, na qual cada usuário tem lá seu poder de influência. Quando trabalhada em nichos bem específicos, elevam-se as chances de cada indivíduo galgar um poder midiático ainda maior, angariando uma influência de tal maneira forte que o físico e escritor norte-americano Chris Anderson chegou a nomear como “cauda longa”. Por sua tese, observa-se que qualquer pessoa na web pode influenciar positiva ou negativamente outras a respeito de qualquer coisa.

Uma dessas interferências negativas respinga sobre os trabalhos das organizações da sociedade civil (OSC). Por mais que lutem a duras penas por um mundo mais justo e igualitário, ainda são vítimas de uma depreciação em massa que insiste em aparecer nas plataformas Facebook, Instagram, X (Twitter), YouTube, WhatsApp e Telegram.

É o que fica evidenciado pelo estudo feito pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI). Entre janeiro e outubro do ano passado, a organização mapeou as postagens relacionadas às entidades do Terceiro Setor nas redes sociais, e concluiu que, somente no X, 63% delas tinham cunho depreciativo contra as OSC. O levantamento mostra o que já é imaginado: boa parte dos comentários associam as ONGs a teorias da conspiração, falsos casos de corrupção e de relação governamental e a estigmas baseados provavelmente em crenças forjadas a partir de um ouvir falar.
“Sem as OSC, não há administração pública que consiga dar a toda a sociedade as condições básicas de saúde, educação e assistência social”


No entanto, por mais controversas que sejam as manifestações dos usuários, não podemos perder de vista a preciosidade da pesquisa da FGV. Afinal, ela mostra, numericamente, o estrago que a desinformação ainda causa ao Terceiro Setor, o que também ajuda a explicar, pelo menos em parte, por que muitas entidades vivem sob o que parece ser uma maldição do ponto de vista econômico, e ainda debaixo de um olhar de desconfiança da sociedade. O que os usuários fazem ecoar nas redes sociais são discursos advindos de nichos que não só não ajudam como também fazem questão de atrapalhar as transformações sociais movidas pelas OSC.

Para o nosso alívio, a realidade não é exatamente aquilo que se revela somente na tela do celular. Prova disso é o resultado da Pesquisa Doação Brasil 2022, elaborada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que aponta que 67% dos entrevistados reconheceram que as organizações da sociedade civil têm papel chave na luta contra os problemas socioambientais. Pelos cálculos do Instituto, as OSC brasileiras receberam um total de R$12,8 bilhões em doações. Nada menos que 84% da população realizaram algum tipo de doação, sendo uma parte considerável para as entidades.

Isso reforça um cenário que vai na contramão daquele pintado nas redes sociais. A demonização das organizações do Terceiro Setor não apenas prejudica a ferramenta mais eficaz em favor das comunidades menos favorecidas, como também sufoca a própria capacidade governamental de alcançar todos os seus deveres constitucionais. Sem as OSC, não há administração pública que consiga dar a toda a sociedade as condições básicas de saúde, educação e assistência social.

Somente os resultados concretos e a máxima transparência poderão vencer os abutres da desinformação. As organizações devem manter o foco naquilo que realmente lhes importa, que é a preservação dos esforços para que seus impactos alcancem o máximo de indivíduos possível. Este é o único caminho viável para converter a crença de quem ainda acredita no que não vê para criticar as benfeitorias visíveis.

(*) Advogado, especialista em terceiro setor e intersetorialidade, promotor de Justiça aposentado e presidente da Confederação Brasileira de Fundações (Cebraf): [email protected]

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