24 de julho, de 2024 | 11:00

Os donos do poder

Antônio Nahas Junior *

Lançado recentemente, o livro "O País dos Privilégios - Os Novos e Velhos Donos do Poder", de Bruno Carazza, entra numa discussão difícil, espinhosa, mas necessária. O autor adentra no mundo dos privilégios existentes em diversas esferas da nossa sociedade, relacionados ao poder público: Cartórios; políticos; militares; servidores públicos; fiscais da Receita Federal; advogados públicos; juízes, militares; membros do Ministério Público. Enfim, compra briga com todo mundo.

Um dos pontos que o autor analisa são as emendas impositivas no Congresso Nacional. Antes delas, os Congressistas, com razão, reclamavam do fato de que suas emendas orçamentárias eram ignoradas pelo Poder Executivo, ou utilizadas como moeda de barganha: caso houvesse apoio ao Executivo, eram liberadas. Senão, nada feito.

Em 2015, aproveitando-se da fragilidade do Governo Dilma, o deputado Eduardo Cunha conseguiu a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015. Estavam instituídas na Constituição do país as emendas orçamentárias impositivas.

Mas não ficou só nisso. Em 2019, já sob o Governo Bolsonaro, nova Emenda Constitucional foi aprovada: a 100/2019, que incluiu as emendas das bancadas estaduais também como obrigatórias. "De acordo com estas novas regras, o Poder Executivo é obrigado a gastar parte dos recursos conforme determinado pelos parlamentares, sem contingenciamento ou alegações de frustração na arrecadação." E conclui o autor: "Desta forma o Poder do Presidente da República ficou enfraquecido na queda de braço com os parlamentares e senadores pela liberação de verbas".

E não foi pouco dinheiro. Em 2022 cada deputado teve 17,6 milhões de reais à sua disposição. Fora as emendas de bancadas estaduais, que dependem do número de deputados.

E não para por ai. Tem mais coisa: vieram as chamadas "emendas de relator", não previstas na Constituição, para corrigir "erros e omissões" do orçamento. "Premido por dezenas de pedidos de impeachment"....."o

Presidente(Bolsonaro) autorizou que se passasse a rotular dezenas de bilhões de reais do Orçamento como emendas de relator". E continua: "Assim, os parlamentares que controlavam a Comissão Mista de Orçamento, em conluio com a Presidência da República, passaram a ter o poder de decidir a aplicação de um volume imenso de recursos de modo discricionário, a partir de indicação de parlamentares aliados".
“Enquanto isto, dados divulgados por Agências internacionais colocam o salário mínimo vigente no país em 14º da América Latina”


Este foi o chamado "Orçamento Secreto", que distribuiu, como privilégio e cala-boca a parlamentares aliados da Presidência da República, mais de 40 bilhões de reais entre os anos 2020-2022, servindo para turbinar as campanhas eleitorais de certos deputados e, de forma indireta, para desequilibrar o último pleito Presidencial.

Como diz o autor, "seja pela via dos votos dados em gratidão pela população atendida, seja pela possibilidade de desviar parte dos recursos ara o financiamento ilegal de suas campanhas, políticos agraciados com mais verbas tiveram mais chances de se eleger".

Felizmente, o Orçamento Secreto foi considerado inconstitucional em dezembro de 2022, embora, segundo o autor, esta prática ainda continue nas duas Câmaras Legislativas Federais, pois o Presidente Lula teria decidido deslocar as emendas de relator para emendas individuais, para cumprir a Constituição.

Enfim, num país em desenvolvimento, com bolsões de pobreza, com necessidades em áreas críticas como mobilidade, saúde, educação, recursos valiosos e imensos são desviados das Políticas públicas para atendimento às demandas parlamentares. Não há levantamento das prioridades, das demandas mais urgentes o discussão e controle do desenho mais adequado para sua aplicação.

O planejamento orçamentário e a alocação dos recursos públicos obedecendo critérios claros e republicanos tem que voltar a orientar a Administração Pública Federal. Vale a pena a leitura do livro. São vários capítulos cheios de informações atuais e importantes.

Enquanto isto, dados divulgados por Agências internacionais colocam o salário mínimo vigente no país em 14º da América Latina, ficando atrás da Guatemala, Bolívia e até mesmo Paraguai.



* Economista, empresário, morador de Ipatinga. Ps: o título do livro homenageia Raymundo Faoro, pelo seu grande livro, escrito em 1958.

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Comentários

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Humberto Abreu

27 de julho, 2024 | 12:08

“Antônio Nahas, mais um excelente artigo, assunto atualíssimo, tecnicamente muito bem fundamentado e com uma didática primorosa. Leitura essencial para quer-se interessa por políticas públicas.”

Gildázio Garcia Vitor

25 de julho, 2024 | 06:39

“Excelente artigo! Parabéns e obrigado!
Pretendo adquirir e ler este livro o mais rápido possível. Mas acredito que seria interessante, reler, antes o clássico, a obra-prima, "Os Donos do Poder," de Raymundo Faoro, que li há mais de 40 anos. Provavelmente, o Camarada Toninho leu há mais de 50 anos, apesar dele ter uma inteligência e uma formação privilegiadas, tanto Acadêmica quanto profissional, depois de um tempo longo, a mente descarta grande parte das informações. Portanto, fica a dica aí Companheiro e leitores interessados.”

Rj

25 de julho, 2024 | 06:19

“Ô Tião Aranha, o seu comentário está misturando alhos com bugalhos. Até parece que não leu o artigo. Outra coisa, o golpista do Temer aprovou foi a Reforma Trabalhista, em 2017, aquela que tirou vários Direitos dos Trabalhadores. O Minto Inelegível aprovou foi a da Previdência, em dezembro de 2019.”

Tião Aranha

24 de julho, 2024 | 10:58

“A questão está na péssima distribuição do bolo do orçamento da União ficando os pobres com as sobras ou migalhas que cai da mesa dos grandes. Paulo Guedes tinha como etapa final a padronização do serviço público, mas não teve apoio do Congresso pra aprovar as suas reformas. Com o fundo eleitoral que aí está só favorece os partidos grandes. Daí a necessidade do voto distrital tão defendido pelo Temer, que conseguiu a aprovação da reforma da previdência, mas que, afinal, não tira nada dos grandes. Rs.”

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