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24 de agosto, de 2024 | 10:30

O Brasil tem um problema: onde está a pesquisa sobre transtornos alimentares?

Jônatas de Oliveira*

Comecei meus estudos na USP há sete anos, buscando compreender as práticas de dietas restritivas e verificando comportamentos de risco para transtornos alimentares. Quando falamos em comportamentos de risco, estamos nos referindo a uma série de práticas que são transtornadas, ou seja, diferentes do esperado em nossa cultura alimentar local. Nesses casos, a alimentação carece de autonomia e é permeada de sofrimento, principalmente em relação ao corpo. Somos incentivados por todos os lados a lutar contra o corpo, e esses comportamentos de risco também aumentam as chances de uma pessoa preencher todos os critérios para algum transtorno alimentar. Podemos nos limitar a pensar em transtornos alimentares ligados ao corpo, ao peso e ao sofrimento com a imagem corporal, como a anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Existem outros transtornos com menor prevalência e, também, aqueles não ligados a questões corporais, exemplificados pelos transtornos alimentares restritivo-evitativo (quando a pessoa evita alimentos) e pica (quando a pessoa ingere substâncias que não são alimentos).

Falar sobre a prevalência ou a frequência de transtornos alimentares no Brasil é um desafio, pois não temos uma boa cobertura de dados nacionais. Isso se deve a um percurso tortuoso das linhas de pesquisa, ao incentivo e ao interesse nas tecnologias diagnósticas, psicométricas e na apresentação de dados. Com uma mistura de surpresa e preocupação, percebo a escassez de pesquisas sobre transtornos alimentares no Brasil. Esse problema torna-se ainda mais alarmante considerando a complexidade e a natureza multifatorial dessas condições, que, no contexto brasileiro, levantam uma série de desafios em gestão de dados, levantamentos, tecnologias e parcerias avaliativas. Os tipos de artigos publicados refletem parte do estado da arte e o avanço das linhas de pesquisa e podem ser comparados com outros cenários que avançaram, como, por exemplo, muitos estudos brasileiros de caracterização em comparação com diversos ensaios clínicos complexos e multicêntricos.

No Brasil, só em 2020 tivemos o Eating Disorders Examination, versão questionário, disponível, sendo este o instrumento mais utilizado no mundo para avaliar sintomas de transtornos alimentares. Isso prova nosso atraso. No Brasil, uma quantidade significativa de pesquisas sobre outros transtornos mentais vêm sendo conduzida com sucesso, utilizando tecnologias diagnósticas avançadas, com boas propriedades psicométricas e validadas em grupos que apresentam o adoecimento e até mesmo ensaios clínicos randomizados, em contraste com a escassez na área de transtornos alimentares. O maior indicativo, talvez, em pesquisa e prática clínica seja a presença de consensos e diretrizes dentro de uma área de estudo.

Para ilustrar o estado da pesquisa brasileira, considerei o Brazilian Journal of Psychiatry (BJP), pois abrange uma variedade de aspectos relacionados à saúde mental e psiquiatria. Pesquisas conduzidas no Brasil sobre uma gama de condições de saúde mental, incluindo depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos por uso de substâncias, frequentemente aparecem nos volumes da revista. Cabe ressaltar que este tema não pertence a uma área específica do conhecimento, e que são necessárias áreas infelizmente muito negligenciadas como as ciências sociais, antropologia, nutrição e psicologia. As contribuições dessas áreas garantem e lutam por uma dinâmica de cuidado humanizada e contêm elementos para um olhar transdisciplinar. O Brasil conseguiu avançar em diversos transtornos mentais que vêm recebendo um olhar abrangente e baseado em evidências, e diversas publicações no Brazilian Journal of Psychiatry (BJP) comprovam esse avanço relevante para a psiquiatria brasileira.

Por que não conseguimos avançar na área de transtornos alimentares? Atualmente, estamos trabalhando em uma revisão sistemática registrada sobre o panorama nacional, tema do meu doutorado, e obtivemos menos de 100 estudos brasileiros, agrupados em cinco grandes temas: perfil demográfico e socioeconômico, impactos clínicos e dentários, aspectos psicológicos e comportamentais, relações familiares e sociais, e tratamentos farmacológicos e avaliação. Esses temas mostram que foi difícil ou não houve investimento significativo e tecnológico na área.

Futuras análises bibliométricas revelarão a trajetória da pesquisa e as contribuições pessoais e institucionais. Dado esse cenário, é imperativo incentivar os pesquisadores brasileiros, centros de estudo, clínicas ambulatoriais e unidades de saúde do Sistema Único de Saúde a avançarem nas tecnologias de pesquisa sobre transtornos alimentares. Esforço e energia significativos são necessários para fornecer dados de qualidade sobre os brasileiros e suas características.

Análises bibliométricas podem ser úteis para rastrear e identificar quais programas de pós-graduação e grupos de pesquisa mais contribuíram e como contribuíram para a melhoria das tecnologias diagnósticas, treinamento de equipes, recrutamento de participantes e produção de conhecimento. Abordar essa lacuna é fundamental para desenvolver políticas de saúde pública eficazes, consensos e diretrizes nacionais, além de estratégias de intervenção culturalmente apropriadas que possam melhorar a saúde e o bem-estar daqueles afetados por esses transtornos desafiadores.

*Doutorando da Faculdade de Medicina da USP

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