01 de outubro, de 2024 | 08:00

Um pé na cozinha...

Nena de Castro *


Dia, meus amados cinco leitores! Novembro será o mês da chamada Consciência Negra, que embasa ações e discussões sobre o racismo no Brasil. A esse propósito eu me lembrei de um fato acontecido com o Bituca, o extraordinário Milton Nascimento. Quando concluiu o Ensino Médio, ele foi o orador da turma em Três Pontas onde vivia com a família que o criou. Excelente aluno, fez uma fala brilhante e voltou para casa. Os outros formandos foram se preparar para o baile. Bituca não foi porque negros não podiam entrar no clube. Anos mais tarde, já famoso, o tal clube lhe prestou uma homenagem. Embora não quisesse ir, a pedido de sua mãe, ele acabou indo, a contragosto. E foi aplaudido pelos que antes não queriam saber dele. São muitos acontecimentos a desmentir a chamada e proclamada “igualdade racial” no país, cujo racismo só não enxerga quem não quer. Houve avanços sim, no tocante à penalização de tais atos, mas ainda é preciso uma mudança estrutural no Ensino e na sociedade desse país, quanto ao modo de encarar o negro.

Anos atrás, quando Fernando Henrique Cardoso, então candidato à presidência, declarou “ter um pé na cozinha”, foi muito criticado, disseram ser oportunismo. Na verdade, o que o sociólogo quis dizer é que todos nós temos um pé na cozinha por sermos – queiramos ou não, descendentes de negros, índios e brancos, nessa miscigenação que os puristas negam, tentando tampar o sol com a peneira.
""O país sempre foi injusto com os descendentes de escravos, permitindo uma abolição que não aboliu coisa nenhuma, deixando as entregues à própria sorte”


O país sempre foi injusto com os descendentes de escravos, permitindo uma abolição que não aboliu coisa nenhuma, deixando entregues à própria sorte um enorme contingente de pessoas, sem nenhum direito, cujo resultado se vê até hoje nas prisões e no número de mortos pelo aparato policial. E a História não lhes faz justiça, é a versão escrita pelo branco, cheia de silêncios e omissões. Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana, alerta para o perigo de se ter uma única versão da História quando se mostra um povo como se fosse somente uma coisa, um objeto do discurso dos outros.

A consequência da história única é isto: “rouba a dignidade às pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada. Realça aquilo em que somos diferentes em vez daquilo em que somos semelhantes”. Tudo isso me veio á mente no mês em que celebramos a chamada “Consciência Negra”. Então vou citar duas escritoras negras: Carolina de Jesus, autora de “Quarto de Despejo” um pungente relato de sua experiência no espaço de uma favela como catadora de lixo. Já a gloriosa Conceição Evaristo mostra em seus romances e poemas, a permanência da exclusão do negro desde a escravidão no período colonial brasileiro. Tal denúncia expressa a dignidade do povo negro, libertando-o da opressão de séculos. Ela dá ênfase à abordagem dos dilemas dos afrodescendentes em busca de afirmação numa sociedade que os exclui e, ao mesmo tempo, camufla o preconceito de cor. Que vai muito além do que imaginamos, em que pesem as conquistas e denúncias e avanços da lei. Pois é, branquearam Machado de Assis e tentam maquiar nossa triste realidade! “Escolher escrever é rejeitar o silêncio”, conforme disse Chimamanda. Minha escolha está feita. Canto como Caetano: “eu sou neguinha”! Eu sou brasileira, descendente de homens e mulheres cor de ébano cujo sangue e trabalho forjaram essa nação! E nada mais digo!

* Escritora e contadora de histórias

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Comentários

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Tião Aranha

01 de outubro, 2024 | 19:20

“Tem sentido, essa emancipação dos negros no Brasil foi uma farsa, ao contrário dos States, que foi completa e ocorreu do Sul para o Norte, ou seja, da região menos industrializada para a mais industrializada, como sempre, o poder do Capitalismo falando alto. Voltando aqui, os professores das escolas públicas deveriam elaborar projetos tendo como lema o racismo no Brasil. O negro tem muita cultura pra ser passada pros brancos. Sem preconceito, é claro. Rs.”

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