17 de dezembro, de 2024 | 08:00

Mais esperto que o capiroto...

Nena de Castro *

O abestado e abirobado Manel Virgulino Cícero arresolveu em sua cachola que iria se casar com Dora Teodora das Graças, filha do falecido Chico Timbó. A moça vivia com sua mãe Dorcelina na casa enorme na saída do povoado, mais dois irmãos: Zepem, já casado e Nitim Farofa, que era o guardião da irmã. Dona Dorcelina era uma mulé valente, muito ciumenta da filha e ficava na posição de açucareiro com as duas mãos na cintura, quando falavam que alguém tinha esticado os zóio pra Dora Teodora. Ela, aos 16 anos era uma fulô de usura, cabelos negros, pele branca e os zóios esverdeados que faziam a machaiada suspirar de paixão. A menina ia pra escola levada e trazida pelo irmão, diziam que ia se formar pra professora. E a mãe dizia que ela se casaria, sim, mas com um rapaz bem apissoado e pissuidô de terras e gado. Pois antão, Manel Virgulino, de seu, só tinha um barraco onde vivia suzim adespois da morte da avó Sinhá Maria. Mas o cabra num era tão abestado como pensavam e vivia maquinando um meio de subir na vida pra casar com a donzela de sua paixão. Foi até o velho Zuza Catimbó, raizeiro e feiticeiro e lhe pediu ajuda mode subi na vida e casá com a amada. Véi Zuza inscuitô as mágoa do rapaiz e lhe falou que o jeito era pedi ajuda do Cramunhão, fazeno um trato com ele. Tinha de chamá ele, inscuitá e fazê tudo que o trem ruim dissesse e cumpri diritim o acordo, pois o capeta não se deixava engambelá, não! O rapaiz agradeceu ao raizeiro e lhe entregou uma galinha de presente. Quando ia embora, foi chamado pelo velho que lhe disse algo em voz baixa e lhe entregou uma fita com diversos nós. Bão, seguindo os conseio do véi , foi pruma encruzilhada na sexta-feira, esperou dar meia-noite e chamou o Cão. recitando o que lhe havia sido ensinado. Deu uma ventania danada, um redemunho, e de repente o trem ruim apareceu, era um homem vestido de preto : “quem me chama? – perguntou com voz cavernosa.

- Sou ieu, Manel Virgulino Cícero, - disse o rapaz com as pernas tremendo.

- O que você quer, Manel? - perguntou o Cramunhão.

- Quero fazê um acordo com vosmecê: me dê frumusura de rosto e muito dinheiro pra ieu casá com Dora Teodora!

- Para isso, você precisa me entregar sua alma, no cemitério, na sexta-feira santa. E acordo feito num tem volta, sua alma me pertencerá até a eternidade! Volto pra te buscar em sete anos!

Quarqué coisa mode ieu casá com a moça que eu amo! Seguindo as instruções, Manel, na sexta feira santa foi ao cemitério, jogou sete punhados de terra sobre uma sepultura e recitou um chamado! Veio o vento de redemunho e o rapaz ouviu uma voz cavernosa que o orientou a cortar a veia do punho direito e pingar sete gotas em cima da terra na sepultura, declarando que dava sua alma pro Cão! Manel fez tudo e antes de ir embora, deixou cair algo num buraco pequeno que tinha cavado, pisando por cima para esconder o feito.

O fato é que apareceu na vila um cara bonitão, forte, cheio dos cobres e se apresentou à mãe da moça. Levou a família para conhecer suas terras e gado, o casarão, os móveis antigos, as louças, as joias da família... Pediu Dora Teodora em casamento e se casaram, com um festão nunca antes visto.

Quando fez sete anos, o Cramunhão apareceu para levar a alma de Manel pros infernos. Manel riu pro capeta e falou que devia ter algum engano, ele não tinha feito o trato com sua alma! O trem ruim ficou nervoso e Manel esclareceu, que seguindo instruções do feiticeiro, tinha levado uma fita vermelha com sete nós e na hora de concordar com tudo, falara baixinho outros nomes escritos num papel e enterrara perto da sepultura! O diabo que fosse lá conferir quem estava na lista! Muito nervoso, o Cão foi e descobriu que tinha sido enganado! Manel escrevera o nome de políticos brasileiros que roubam merenda das crianças, afanam dinheiro das emendas parlamentares, propõe coisas estapafúrdias como a privatização das praias, trocam o voto por poder e dinheiro, fingem não saber da necessidade de investir na Educação e Saúde e controle da violência e ignoram completamente o grito dos excluídos que “não vivem, apenas aguentam” contudo já não podem mais com a miséria!

E o Cão, que antes estava zangado, sorriu, pois tinha muita gente pra carregar pras prefundas! E nada mais digo, nem precisa! Au revoir.

* Escritora e contadora de histórias

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

17 de dezembro, 2024 | 20:33

“Muito bom! Parabéns! Você hoje está uma Guimarães Rosa. Mas podia, pelo menos, dar uma dica, como, por exemplo, um sobrenome, de quais políticos o Manel ofereceu para o Cão.”

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