07 de janeiro, de 2025 | 08:30

De Purezas e Eunices...

Nena de Castro *

Dia, meus amados cinco leitores. Meio sumidinha causa de quê tive uma gripe/pneumonia com direito a febre, tosse, dificuldade respiratória, etc. Então minha saída e entrada de ano num foi exatamente uma festa, fazer o quê, ces’t la vie... Pois antão, o ano mal começou e já estamos no assassinato número 4 no Vale do Aço, você saberia me informar quanto vale uma vida? Eita ferro, pensando em quanta coragem necessitamos para prosseguir, hoje me pus a pensar em Pureza, do filme de mesmo nome, já ouviu falar dela? Embora tenha recebido prêmios até no exterior por sua coragem, a maioria dos brasileiros desconhece sua saga. É aquela mulher que durante mais de 3 anos vagou por cidades do Maranhão e Pará, praticamente com a roupa do corpo, uma fé inquebrantável e o amor que só uma mãe tem, procurando por seu filho Abel que tinha sido contratado por um garimpo e nunca mais dera notícia. Andava a pé, de carona, ia como podia. A foto do filho na mão, esperança, coragem imorredouras no coração, percorreu uma vasta fatia do território brasileiro, de carvoaria em carvoaria, de garimpo em garimpo, de fazenda em fazenda no meio do nada, só verde, só onça, só maldade, só desvio. A todo local onde chegava, perguntava pelo filho e ao mesmo tempo observava as péssimas condições de vida dos trabalhadores, fisgados pelos “gatos” com promessas de trabalho bem remunerado, de melhoria de vida e na verdade mantidos à força em bibocas insalubres, com dívidas impagáveis, numa desesperança sem fim. Jagunços armados obrigavam-nos a jornadas sub-humanas e o Brasil ignorava ou fingia ignorar tal situação. Entrou em contato com a Comissão Pastoral da Terra e apesar das ameaças e perigos, começou a fazer denúncias. Foi ignorada, ameaçada, enxovalhada, mas expôs ao país e ao mundo a rota do trabalho escravo no Brasil. “Ora, direis”, como é possível que tal situação hedionda acontecesse e “ninguém” soubesse? Reputo tal fato ao desinteresse da nação e seus “líderes”, quantos políticos influentes possuidores de terras sugando o sangue de seus semelhantes sem a mínima vergonha e respeito existem por aí?

Pureza passou por muita coisa, trabalhou em uma fazenda onde viu tudo de perto, perdeu-se na mata, passou fome, enfrentou muitos perigos, mas por fim as autoridades tomaram tenência e libertaram os trabalhadores, tendo afinal o país reconhecido que existe escravidão no seu território e cerca de 55 mil trabalhadores viviam naquelas condições.
E o pior é que isso ainda acontece, os estados do Pará, Minas Gerais, Maranhão, Mato Grosso e Goiás são os que mais casos abrigam. Em 2023 foram resgatados 3.765 trabalhadores. E desde a Chacina de Unaí, em 2009, quando fiscais foram mortos em ação até hoje não bem elucidada, o dia 29 de janeiro tornou-se o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo.
“O ano mal começou e já estamos no assassinato número 4 no Vale do Aço, você saberia me informar quanto vale uma vida?”


Voltando à corajosa Pureza que se empregou numa fazenda e testemunhou o tratamento brutal de trabalhadores e o desmatamento da floresta, ela escapou e denunciou os fatos às autoridades federais. Sem credibilidade e lutando contra um sistema forte e perverso, ela retornou à floresta para registrar provas. Denunciou o crime do trabalho escravo no Norte do país para três presidentes da República e recebeu um prêmio de Direitos Humanos em Londres em 1997, outro em Washington em 2023 essa mulher notável fez de sua vida um libelo de coragem.

Quem faz seu papel é a atriz Dira Paes, que foi muito elogiada pela atuação. E nossa heroína que felizmente reencontrou o filho, continua atuando junto aos movimentos pelos trabalhadores rurais do país, alertando: "Ainda existe escravidão nessas matas que só os olhos de Deus veem”. Ai, ai, mundo cão, a gente fica abestada e enojada com tanta ambição, indiferença e maldade. Acorda, Brasil! E FELIZ COM A VITÓRIA DE FERNANDA TORRES NO GLOBO DE OURO vivendo o papel de EUNICE PAIVA em sua luta contra a ditadura! Ah, mulheres, que orgulho!

* Escritora e Contadora de Histórias

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

07 de janeiro, 2025 | 12:46

“Dia, Bugra Velha! Inté estava com sardade das suas crônicas. Se cuide!
Belíssima História, esta da Dona Pureza. Sei muito pouco sobre ela e suas lutas. Portanto, muito obrigado pelo excelente artigo!
Você, com esta sagacidade mineira-interiorana, fez eu descobrir que estamos sempre lembrando das mulheres que lutaram, especialmente contra a Ditadura Militar (1964-1985), e esquecendo daquelas que continuam a lutar nos dias de hoje, como, por exemplo, Você, Marilene Tuler e a Companheira Cida Lima.
A premiação da Fernandinha Torres, que é fillha, mas não é Montenegro, é um bálsamo para as nossas Instituições, que continuam sob ataque. daqueles que acreditam que defender Ditadura é defender a Liberdade de Expressão, que não tem possibilidade de existir em um regime autoritário.”

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