04 de abril, de 2025 | 07:00

Um sonho, um susto e a assombração...

Nena de Castro *


Duas coisas importantes na vida de Manelzim Frutuoso: o desejo de possuir um jipe e medo de assombração. Morando numa pequena cidade desde menino, Manelzim levava a vida curtindo o sonho de dirigir o jipão que compraria. Economizava tudo que ganhava, era trabalhador e não corria de serviço. Porém, o rapaz morria de medo de alma do outro mundo, era uma cisma da qual não conseguia se livrar, sequer gostava de ouvir casos envolvendo defuntos, enterros e aparições. Não ia a cemitérios de maneira alguma e não gostava de andar tarde da noite pelas ruas escuras do local.

Casou-se, montou um comercinho e sempre economizando, esperou a vez de comprar o seu jipe! Os filhos ajudavam no comércio, dona Carlota costurava para fora, tinha galinheiro, horta e colaborava como podia para o sonho do marido se realizar. Até que um fazendeiro da região anunciou que ia vender seu jipe para comprar um caminhão! Manelzim foi ao encalço do homem, negociou, regateou como pôde e afinal fechou o negócio! O vendedor ia entregar o veículo em sua casa no dia seguinte e naquela noite, ele nem dormiu, de tanta felicidade! No dia seguinte, chamou um compadre mecânico pra dar uma espiadinha no motor e ver se tudo estava bem. Lustrou o jipe com capricho, cobriu com uma lona e ficou horas olhando seu veículo! Dona Carlota, prática, como sempre, ao ver a euforia do marido, perguntou como ele faria, já que não sabia dirigir! Então nosso herói se deu conta de que não sabia, mas ia aprender com o sobrinho Zé Candim, que era motorista. O motorista lhe deu detalhes, ligou o carro e saiu com o tio. Passou-lhe o volante e o Manelzim foi dirigindo aos trancos, só que na curva, deixou o carro morrer na subida. -Engrena a primeira e acelera, tio! Apavorado, o “motorista” engrenou uma ré, acelerou e despencaram ladeira abaixo! Quase foram para o beleléu e além dos arranhões e prejuízos, a curva ficou conhecida como “curva do Manelzim”. Lanternado o jipe, tudo nos trinques, nosso herói resolveu sair sozinho, às escondidas, pra provar pra todos que era muito macho e podia dirigir seu jipe. A família ouviu o barulho do motor e saiu pra ver o pai dirigindo. Ficaram esperando sua volta para festejar, quando de repente viram Manelzim descendo a rua em corrida desabalada! Todos correram ao seu encontro, pensando em outro desastre. O pai, pálido, com a mão no coração, gaguejava : Carlota, assombração! Assombração, Carlota! Juntou gente, trouxeram um copo d’água, fizeram com que assentasse num toco de árvore e ele afinal conseguiu falar: fora treinar defronte ao cemitério e de repente vira um defunto pulando o muro, ele estava todo de preto e tinha longas barbas! Apavorado, largara o jipe e fugira correndo! Bom, para encerrar a pendenga, conto-lhes que descobriram que “a alma penada” era um viúvo que tendo perdido a mulher que amava, toda noite saltava o muro do cemitério altas horas para chorar na tumba da falecida! Assustado com o ruído do motor, pulou o muro e quase caiu em cima do veículo! Todo mundo queria saber causa de quê o Manelzim não fugira com o jipe, mas esse respondeu que o frouxo das pernas não distinguia freio de embreagem ou acelerador. Mandou buscar o jipe no dia seguinte, vendeu, claro e nem toca no assunto. Mas continua com medo de assombração...

*Escritora e Encantadora de Histórias.

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