23 de abril, de 2025 | 07:00
Reminiscências...
Nena de Castro *
Após duas curvas, o jipe estacionou defronte à velha casa. Desceu com cuidado. Seus acompanhantes entraram na morada, saudando quem lá estava. Ela se afastou devagar, caminhando pelo caminho que levava ao córrego. Passou pelo curral. O cheiro do esterco envolveu-a em lembranças de leite tirado na hora e bebido em canecas esmaltadas. Entrou à direita onde ficavam a horta e o pomar. Respirou profundamente e a viu de vestido azul-marinho, cuidando dos canteiros, arrancando ervas daninhas, afofando a terra com dedos experientes. Sob o sol da manhã, viu o cesto de figos recém-colhidos, verdes, firmes, lindos. Seriam lavados, raspados com a faca para retirar a lixa, furados com o garfo e deixados de molho por um dia, com troca de água diversas vezes, como faziam as avós. Ela lhe sorriu, abençoando seus passos. Continuou caminhando sob o sol que despontava, enquanto seus raios brincavam nas copas das árvores e nos arbustos rasteiros que margeavam o caminho. Chegou ao canavial onde as canas aguardavam: seriam cortadas, levadas para a área do engenho, aparadas por mãos experientes que as colocariam na moenda e os bois seriam acionados pela menina de sete anos que aguardava, ferrão na mão. Pachola e Desengano, sob a canga, aguardavam pacientemente a ordem de comando, usando a cauda para espantar os mosquitos. A enorme tacha transbordando de garapa já fervia ao fogo, havia um cheiro de melaço pelo ar e as abelhas agitadas faziam festa, zumbindo sobre o bagaço atirado ao solo. Continuou caminhando e a menina que parecia feliz guiando os bois, sentindo-se importante, olhou-a com espanto, como se a conhecesse. Sorriu para ela com ternura e continuou a caminhada, passou pelo bambuzal que estalava e sorriu ao se lembrar da lenda de que nasce um saci a cada estalo.Virou à esquerda, caminhou um pouco mais e chegou ao pequeno córrego cujas águas cantavam docemente narrando o que tinham presenciado desde a nascente até chegar ali e continuar se movendo em busca de seu destino. O coradouro, o batedor” de madeira onde a roupa era batida para clarear, o cheiro forte do sabão feito em casa, roupas brancas no varal... Fez a volta e saiu no terreiro da cozinha, onde galinhas alvoroçadas bicavam o milho que lhes era atirado, enquanto os porcos grunhiam no cercado, reclamando sua vez. Perto da bica dagua, na varandinha, o pé de rosas brancas se alastrava até o telhado, espargindo um perfume que lembrava o mês de maio e as coroações. O forno de barro, feito à mão pela mãe camponesa, ardia em chamas, a lenha dando estalidos, o fogo crepitando para aquecer os tijolos no ponto certo e acolher as assadeiras onde os biscoitos aguardavam para ser assados. A mãe lhe sorriu, rosto com marcas de carvão e continuou a lida. Numa gamela, duas galinhas abatidas, já limpas, aguardavam o recheio de farofa de miúdos; seriam cozidas na tacha e depois fritas na gordura de porco; o cheiro de alho e sal socados com pimenta malagueta e pimenta do reino traziam um aroma irresistível ao ambiente e chegavam até ela pelo cone mágico do passado. Cheiros, delícias, cores, risos, fogão à lenha, milho verde assando nas brasas do fogão, vacas mugindo, galinhas cocoricando, pássaros entoando seus cantos celebrando o sol, a vida e uma Bugra andando por seu passado com gratas recordações de uma existência simples, contudo infinitamente bela e rica de amor que é o que vale mais nesse mundo de meu Deus! E nada mais digo, nem precisa.
*Escritora e contadora de histórias.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Gildázio Garcia Vitor
23 de abril, 2025 | 21:34Minha querida Bugra, que delícia de crônica da vida real. Sem lhe pedir licença, peguei carona na maior parte de suas andanças pelo seu passado, claro que por outros lugares*, lá pelas bandas do Córrego dos Dornelas, cortado ao meio pela BR 116, em Orizânia, que uma dia foi Divino, que, por suas vez, em um outro dia, foi Carangola.
Obrigado pela carona! Gostei de viajar contigo.
* Em Geografia, LUGAR, é o espaço de vivências, com o qual temos laços de afetividade, ou seja, que "amamos" e, por isso, nos apropriamos, viramos donos: minha terra, meu país, minha roça, minha cidade, minha Escola, sua Igreja etc.”
Tião Aranha
23 de abril, 2025 | 21:25Boas recordações, com sua magia a nossa escritora ainda tem muitas histórias pra contar... Parece que ela saiu da roça, mas a roça ainda não saiu dela. Ela me fez recordar da época que eu passava as férias na casa da minha avó, aquela que foi colega de classe do Drummond lá em Itabira. Grandes recordações. Rs.”