PREF IPATINGA ANIVERSÁRIO 728X90

24 de abril, de 2025 | 08:00

Firmeza para superar o 8 de janeiro – com equilíbrio e responsabilidade institucional

Márcio Moretto Ribeiro *

Nas últimas semanas, a disputa em torno das consequências do 8 de janeiro voltou às ruas. No dia 30 de março, cerca de sete mil pessoas participaram, em São Paulo, de um ato promovido por movimentos sociais e partidos de esquerda com o lema “Sem anistia”, exigindo a responsabilização penal de todos os envolvidos na tentativa de golpe. Poucos dias antes, em 23 de março, cerca de 18 mil apoiadores de Bolsonaro já haviam se reunido em Copacabana sob a palavra de ordem “Anistia Já”, em defesa dos condenados pelos atos antidemocráticos. A mesma pauta se ampliou no dia 6 de abril, quando aproximadamente 45 mil pessoas ocuparam a Avenida Paulista. Entre os símbolos do protesto, destacaram-se homenagens à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada por vandalismo, apresentada ali como vítima de punição desproporcional.

A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República deixa pouca margem para dúvida: houve uma série de tentativas de golpe de Estado no Brasil ao final de 2022. Documentos e depoimentos revelam um conjunto articulado de ações voltadas a impedir a posse do presidente eleito. Tentativas de interferência na votação, pressão sobre o alto comando militar, elaboração de decretos de exceção, planos de desestabilização institucional e até projetos de assassinato de autoridades compõem um enredo golpista amplamente documentado. Cabe lembrar que o crime de tentativa de golpe não depende de sua consumação: basta a prática de atos concretos com esse fim, e isso foi feito. A PGR reuniu provas abundantes – mensagens, registros de reuniões, minutas, mapas operacionais e rastreamentos de celulares – que evidenciam a atuação coordenada de civis e militares do entorno de Jair Bolsonaro. Punir os responsáveis, além de ser um dever legal, é um marco para afirmar que a democracia brasileira não admite esse tipo de transgressão.

Sobre os atos de 8 de janeiro, apesar de sua gravidade, as provas que os conectam diretamente às tentativas de golpe são frágeis. Não há indícios de que tenham sido coordenados pelos autores do plano golpista. O que se encontrou foram trocas esparsas de mensagens entre militares e manifestantes, sem comando claro, sem hierarquia estabelecida e sem provas de subordinação direta. Como observou meu colega Jonas Medeiros, em palestra recente no Cebrap, os eventos do dia 8 não representaram o ápice de uma estratégia, mas uma ação desesperada diante do fracasso das tentativas anteriores. Quando ficou evidente que o alto comando militar não aderiria ao plano e que Bolsonaro deixaria o País, parte da base radicalizada agiu de forma desorganizada, sem direção política clara nem articulação estratégica.
“Sobre os atos de 8 de janeiro, apesar de sua gravidade, as provas que os conectam diretamente às tentativas de golpe são frágeis”


A Constituição brasileira e o Estado de Direito exigem que as penas sejam individualizadas e proporcionais às condutas efetivamente praticadas. No entanto, nos julgamentos relacionados aos atos de 8 de janeiro, esse princípio tem sido frequentemente ignorado. Em vez de distinguir os diferentes graus de responsabilidade, o Supremo Tribunal Federal tem aplicado penas severas com base em uma noção ampliada de coautoria coletiva, ancorada na doutrina dos crimes multitudinários.

O caso de Débora Rodrigues é emblemático. Identificada vandalizando a estátua da Justiça com batom, ela foi condenada a mais de 12 anos de reclusão. A maior parte dessa pena decorre de dois crimes: 4 anos e 6 meses por abolição violenta do Estado Democrático de Direito e 5 anos por golpe de Estado. No entanto, em nenhum momento da sentença se indica que Débora tenha desempenhado qualquer função definida. Não há indícios de liderança, planejamento ou participação em articulação estratégica, apenas sua presença nos eventos daquele dia. Nesses termos, a pena não decorre daquilo que Débora efetivamente fez, mas do que o evento passou a simbolizar. Ela está sendo punida como representação de um trauma coletivo, e não com base em sua conduta individual – algo que contraria princípios fundamentais do direito penal em uma democracia.

Essa desproporção entre conduta e pena também é percebida por setores expressivos da sociedade. Pesquisas realizadas pelo Monitor do Debate Político, que coordeno, indicam isso mesmo entre manifestantes de ambos os lados do espectro. No ato “Sem Anistia”, promovido por movimentos de esquerda, 13% dos manifestantes admitiram a possibilidade de revisão, especialmente no caso de pessoas que não participaram de atos de vandalismo. Já no ato bolsonarista “Anistia Já”, embora 47% defendessem anistia irrestrita, havia uma parcela significativa com posições mais moderadas: 25% apoiavam anistia apenas para quem não cometeu vandalismo, e 6% defendiam penas reduzidas para esse mesmo grupo. Além disso, 51% dos entrevistados nesse ato concordaram que manifestantes que não cometeram atos violentos ou de vandalismo devem ser tratados de forma diferente das lideranças acusadas de planejar ou incentivar o golpe.

Ou seja, há compreensão de que é necessário individualizar os casos. Reduzir as penas de parte dos manifestantes não significa relativizar a gravidade do 8 de janeiro. Ao contrário: trata-se de aplicar a justiça com equilíbrio, coerência e legitimidade, distinguindo quem planejou e liderou o ataque à democracia de quem, mesmo tendo aderido à mobilização, não participou da sua execução violenta nem teve papel decisivo em sua organização.
“A Constituição brasileira e o Estado de Direito exigem que as penas sejam individualizadas e proporcionais às condutas efetivamente praticadas”


A defesa de penas proporcionais às condutas tem sido reconhecida por diferentes autoridades. O ministro Luiz Fux demonstrou preocupação com a severidade das penas e sinalizou que pretende reavaliar casos como o de Débora. A ministra Gleisi Hoffmann, por sua vez, afirmou que a revisão das penas cabe ao STF, mas reconheceu a legitimidade do debate sobre proporcionalidade. Ambos apontam para a necessidade de um tratamento mais equilibrado dos casos.

Dois anos atrás, o bolsonarismo acampava em frente a quartéis pedindo a anulação das eleições. Hoje, parte desse mesmo grupo volta às ruas pedindo anistia. A mudança de tom não apaga o passado, mas indica, em alguns casos, um reconhecimento dos limites institucionais. Cabe às instituições exercer um papel pedagógico: manter a firmeza contra os que atentaram contra a democracia, mas também reconhecer e reforçar formas legítimas de participação, como o recurso pacífico à esfera pública. Reduzir punições excessivas e aplicar penas proporcionais não é sinal de fraqueza, mas de compromisso com o Estado de Direito. A justiça democrática responsabiliza os culpados, mas não transforma o direito penal em palco de vingança coletiva.

Se o 8 de janeiro foi um trauma, sua superação exige firmeza – mas também equilíbrio e responsabilidade institucional.

* Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Gildázio Garcia Vitor

24 de abril, 2025 | 06:00

“Excelente artigo! Mas ainda acredito que toda pena tem que ser exemplar, pois precisa ter uma função didática, ou seja, servir de lição aos demais cidadãos.”

Envie seu Comentário