
11 de junho, de 2025 | 07:30
O espelho da própria alma
Mauro Falcão *
No entrelaçar de olhares, há mais do que desejo. Existe a possibilidade de um encontro ontológico - não apenas de corpos, mas de existências inteiras. No Dia dos Namorados, entre flores, jantares e promessas, poucos percebem que o amor genuíno não é aquilo que nos falta, mas aquilo que nos desperta.Desde Platão, aprendemos a idealizar o amor como a busca pela metade perdida. No Banquete”, o filósofo fala do ser humano como um fragmento partido ao meio, ansioso por reencontrar sua completude. Mas e se o amor não fosse reencontro, e sim criação? Não a procura por uma parte ausente, mas a ousadia de tornar-se inteiro?
O verdadeiro afeto é olhar para o outro e, ao invés de ver uma função ou uma projeção do próprio desejo, ver um mistério que não se esgota em nossa compreensão. É, portanto, um ato de reconhecimento: o outro é alguém com um universo próprio - um abismo que nos desafia e nos chama a mergulhar”. É a angústia de sair de si e se colocar em risco diante do outro, sem a ilusão do controle.
O amor não se resume a fusão - essa ideia romântica de "dois tornarem-se um" talvez seja a mais destrutiva. Quando dois se fundem, um deles inevitavelmente desaparece. O afeto verdadeiro não anula, potencializa. A relação amorosa deve ser uma dança, não uma prisão. Um lugar onde o eu” e o tu” não se apagam, mas se reinventam em diálogo.
Nem sempre amamos o que nos faz bem. Às vezes, amamos o que nos desafia, o que nos desconstrói, o que nos obriga a mudar. Isso assusta. Por isso tantos fogem do amor profundo, preferindo vínculos de conveniência, laços previsíveis e domesticados. Contudo, onde não há risco, tampouco há transcendência.
Talvez devêssemos nos perguntar: Esse amor está me revelando a mim mesmo?”, Estamos evoluindo juntos?”, Existe liberdade entre nós?” Porque amar, de fato, é mergulhar profundamente em si, tendo o outro como espelho, provocação e companheiro(a) de jornada.
O amor não é a linha de chegada, mas o processo. O encontro não é conclusão, é início. O outro não é resposta, é pergunta. E é nesse terreno fértil da dúvida, da impermanência e da entrega que o amor verdadeiro floresce - não como algo que nos completa, mas como algo que nos desperta. Que ele nos toque onde mais precisamos ser transformados - na alma.
* Escritor brasileiro. E-mail: [email protected]
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Gildázio Garcia Vitor
11 de junho, 2025 | 11:59Excelente! Parabéns! Lembrei-me, como sempre do Drummond e do Thiago de Mello.
"Eu te amo porque te amo
Não precisas ser amante
E nem sempre sabe sê-lo
Eu te amo porque te amo
Amor é estado de graça
E com amor não se paga".
"Não quero
que me cedas,
por dar amor,
nem em conceda nada
de teu, por dar amor.
De dádi va, já basta
tu inteira na luz que do teu corpo nasce".”