24 de junho, de 2025 | 07:30

O advogado que ignora a natureza humana erra na estratégia

Leonardo de Campos Melo *

Advogar no contencioso estratégico é lidar com narrativas. Seja para construí-las ou para refutá-las, a boa advocacia exige técnica e experiência, respaldo doutrinário, legislativo e jurisprudencial e deve se valer de recursos linguísticos e sensibilidade. A literatura não jurídica é um repositório inesgotável desse ferramental. Permita-se o exemplo, dentre tantos outros, da mitologia grega.

Herdamos de nossos antepassados histórias e narrativas fascinantes, imortalizadas em obras como a Ilíada e a Odisseia (Homero), a Teogonia (Hesíodo) e as Metamorfoses (Ovídio), que até hoje influenciam a nossa cultura. Mas afinal, haveria alguma relação entre mitologia e advocacia contenciosa?

Embora permeados por histórias de deuses e suas inúmeras interações com humanos, seres híbridos e bestas assustadoras, heróis e heroínas, os mitos gregos tratam, na essência, da natureza humana. Eles retratam relações diversas, envolvendo poder, tramas, coragem, covardia, virtudes, traição, amores e paixões correspondidos ou não, luxúria, inveja, ciúmes, ira, força, fraqueza, vitórias, derrotas, castigos e punições, feitos heroicos, juventude, velhice, imortalidade e tantos outros traços que compõem a complexidade humana.

E o que é a advocacia contenciosa senão lidar com dramas e paixões humanas? Sejam brigas de família, contendas entre empresas ou demandas contra a Administração, todas concentram pessoas expostas aos efeitos pessoais e profissionais de uma disputa.
“E o que é a advocacia contenciosa senão lidar com dramas e paixões humanas?”


No meu dia a dia, lido com as mais variadas modalidades de causas, cíveis, empresariais e de direito público. Em cada uma delas, em diferentes graus e intensidades, enxergo traços das manifestações humanas presentes na mitologia. Suas narrativas contribuem para a leitura de pessoas, cenários e circunstâncias, auxiliando na formulação de possíveis soluções.

Ao redigir uma petição, despachar com um magistrado ou subir na tribuna para sustentar uma causa, busco identificar os traços humanos mais evidentes dos julgadores: feições, olhares e gestos. Eles demonstram interesse, estão receptivos ou se fecham a determinado argumento? Na medida de minhas capacidades, adapto meu discurso ao que observo e extraio desses sinais.

A advocacia contenciosa e as narrativas são indissociáveis. Quanto mais referências tivermos para dar suporte e chamar a atenção dos julgadores, quase todos sobrecarregados por um volume crescente de processos e textos que não primam pela concisão desejada, melhor desempenharemos nosso ofício. O uso de uma palavra, de uma singela frase ou de uma alegoria elaborada pode fazer a diferença, dependendo do caso, do foro, dos personagens envolvidos e do perfil dos julgadores.

A relação entre mitologia e advocacia contenciosa destaca a importância de compreender a natureza humana. Essa perspectiva amplia nosso repertório, permitindo a adaptação de argumentos e estratégias com eficácia e sensibilidade, enriquecendo a prática do direito. A leitura de bons livros (não jurídicos) também contribui para tornar a escrita jurídica mais clara, concatenada e prazerosa. Mas esse é um assunto para outra oportunidade.

* Advogado especialista em contencioso judicial e administrativo estratégico e em arbitragem, e sócio-fundador do escritório LDCM Advogados - [email protected]

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