09 de julho, de 2025 | 07:00

Ecologia integral: Manifesto da CNBB abre caminhos e gera duvidas

Antonio Nahas Junior *

A Comissão para Ecologia Integral da CNBB, órgão da Igreja Católica que agrega os bispos do Brasil, divulgou recentemente seu manifesto para Ecologia Integral e Mineração. Antes de mais nada, diga-se: é um documento lindo, que já coloca na sua abertura, trechos de uma crônica do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Montanhas e seres vivos participam de um processo vital que se diversifica sem perder a unidade. O homem é a terra; é ferro, planta, água e ar, e da identificação de todos estes elementos, dinamizados pela cultura, nasce a civilização..."

O manifesto é dirigido a toda a sociedade e procura construir uma narrativa sobre a crise socioambiental presente nos dias de hoje. Para a CNBB, será necessário transformar profundamente a relação que os seres humanos estabeleceram com o Planeta. Isso porque, ao longo dos séculos, construiu-se equivocadamente a compreensão que os humanos são seres distintos e separados da natureza. Ao contrário, somos uma espécie como qualquer outra, cuja sobrevivência depende do equilíbrio do Planeta como um todo, frisa o texto.

O documento coloca o centro da sua crítica no modelo capitalista. Considera que este sistema econômico "não tem salvação", pois consome mais do que a Terra tem a oferecer. Mesmo alternativas como o modelo de desenvolvimento sustentável, baseado em iniciativas internacionais como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, ambas organizadas pela ONU, são vistas com muito ceticismo.
“O manifesto é dirigido a toda a sociedade e procura construir uma narrativa sobre a crise socioambiental”

Dirige sua artilharia ao agronegócio e à atividade mineral, vistos como os maiores vilões desta etapa da crise socioambiental. Apresenta seu ceticismo para com a agenda da "transição energética", que tem por objetivo substituir a energia fóssil, como gasolina e carvão vegetal, por outras fontes de energia. Para os autores, esta agenda visaria manter o alto consumo de energia chamada limpa, nos países do Norte Global.

E arremata: de nada adianta “uma ecologia superficial ou aparente, que consolida um certo torpor e uma alegre irresponsabilidade". O foco do manifesto é a busca de um equilíbrio entre o consumo dos bens oferecidos pela natureza e a capacidade de reposição destes recursos pelo Planeta. Sem isto, estaríamos condenados a destruir nossa casa materna.

Por isso sobram elogios às comunidades indígenas tradicionais e na agricultura familiar tipo camponês, centrada em pequenos módulos de terra e produtora de alimentos básicos. Ao fim, conclui propondo o que é chamado de Sobriedade Feliz que, pelo que entendemos, seria uma vida espiritualmente rica, mas materialmente contida, abandonando o consumo frenético de novos bens, em busca da paz interior, baseada nos ensinamentos do Papa Francisco.

É um documento importante, que propõe, em última análise, um modo de vida completamente diferente daquele que vivemos. Os limites do Planeta devem ser obedecidos, mesmo que isto signifique redução do padrão de vida de todos nós. E o capitalismo é o grande empecilho para que isso aconteça. Daí vem a defesa dos povos originários e dos pequenos produtores rurais.

E, como a solução seria a Sobriedade feliz, todas as iniciativas existentes hoje na luta pela descarbonização do planeta, originadas das Conferências Internacionais da ONU, são desconsideradas. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) não são sequer citados no texto.

As inovações tecnológicas poupadoras de carbono - carro elétrico; energia solar e eólica; reciclagem e redução de resíduos nos processos produtivos -, da mesma forma são desprezadas. Projetos inovadores, geradores de crédito de carbono, como aumento da cobertura vegetal no planeta; preservação das florestas nativas; recuperação de áreas degradadas pela atividade econômica; prevenção a incêndios florestais; prevenção a enchentes e tragédias climáticas, da mesma forma são deixadas de lado.
Do nosso ponto de vista, as linhas de ação citadas acima não podem ser consideradas ecologia "alegre, superficial e aparente", como o texto indica. Certamente, não tem como objetivo derrubar o capitalismo, mas definir ações para que, mesmo com os limites impostos, contribuam para que a temperatura do Planeta não se eleve demais.
“O foco do manifesto é a busca de um equilíbrio entre o consumo dos bens oferecidos pela natureza”

O manifesto recupera as discussões travadas no início da década de 70, no chamado Clube de Roma, que publicou documento que se tornou bastante conhecido, chamado "Os Limites do Crescimento". Afinal, o crescimento populacional do planeta, acompanhado do crescimento do consumo dos países mais populosos do mundo - China e Índia - poderia esgotar a oferta de recursos naturais.

E foi o que vimos nos anos seguintes: o PIB da China e da Índia cresceu absurdamente, retirando da fome e da miséria centenas de milhões de pessoas.

A defesa dos interesses dos povos originários e dos pequenos produtores rurais é importante, mas o Brasil é essencialmente urbano. Imensas camadas da população ainda convivem com carências materiais profundas, que impactam sua qualidade de vida e querem prosperar, desejando futuro melhor para seus filhos. O agronegócio e a mineração geram riquezas. São atividades econômicas importantes, que devem ser reguladas e gerar benefícios para as comunidades por elas atingidas.

Ainda que incompleto, o texto da CNBB é muito oportuno para manter o debate sobre ecologia integral na agenda de todos que se preocupam com as mudanças climáticas assustadoras atuais. Até agora continuamos a conviver tragédias climáticas de toda ordem. Continuemos o debate para superação dessa desordem planetária. Quanto mais aliados tivermos nesta luta, melhor, independente da sua ideologia ou posição social. Se nada for feito, nosso futuro estará comprometido.

* Presidente da NMC Integrativa. Economista. Morador de Ipatinga.

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