26 de julho, de 2025 | 09:30

Moraes, Bolsonaro e o equilíbrio entre a regularidade processual e a liberdade de expressão

Marcelo Aith*


Em nova decisão proferida nesta quinta-feira (24), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e rejeitou os embargos de declaração apresentados por sua defesa. Embora tenha negado o recurso, Moraes reforçou os limites da proibição de uso de redes sociais, esclarecendo que entrevistas e discursos públicos não podem ser usados como meio indireto de divulgação digital por terceiros.

A defesa do ex-presidente havia protocolado embargos em 22 de julho, pedindo que a decisão anterior, de 17 de julho, fosse esclarecida quanto à possibilidade de Bolsonaro conceder entrevistas. Segundo os advogados, o ex-presidente se comprometeria a não se manifestar publicamente até a definição do alcance da proibição.

No entanto, o ministro já havia sinalizado, em 21 de julho, que a vedação à presença nas redes sociais incluía também “transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas digitais, inclusive de terceiros”. O objetivo seria impedir o uso indireto dessas mídias para burlar a ordem judicial, sob pena de revogação das medidas cautelares e eventual decretação de prisão preventiva.

Na decisão de hoje, Moraes destacou que, dias antes, foram publicadas postagens nas redes sociais com imagens do ex-presidente exibindo o equipamento de monitoramento eletrônico e realizando discurso direcionado ao público digital. Diante do possível descumprimento, a defesa foi intimada a prestar esclarecimentos em 24 horas.
A resposta dos advogados argumentou que Bolsonaro não poderia ser responsabilizado por conteúdos republicados por terceiros, dada a lógica imprevisível da comunicação digital. Moraes, no entanto, rejeitou essa justificativa e afirmou que há elementos que demonstram coordenação prévia entre o ex-presidente e seus apoiadores para a publicação do material. Essa conduta, segundo ele, revela a intenção de "embaraçar a ação penal" e reproduz um modus operandi já identificado em investigações sobre as chamadas “milícias digitais”.

O ministro mencionou ainda que essas práticas buscariam instigar até mesmo chefes de Estado estrangeiros a interferir em investigações em curso no Brasil, o que poderia configurar atentado à soberania nacional. Entre os possíveis crimes associados, Moraes cita coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação de organização criminosa (Lei 12.850/13) e atentado à soberania (art. 359-I do Código Penal).
Um ponto central da decisão é a reafirmação de que Bolsonaro não está proibido de conceder entrevistas ou fazer discursos, desde que respeitados os horários e limites impostos pelas medidas restritivas. O problema, segundo Moraes, está na “instrumentalização” dessas falas para criar conteúdo voltado à circulação digital, com o claro propósito de burlar as restrições às redes sociais.

“O cerco jurídico se fecha, mas a complexidade operacional do caso acende alerta”


A Corte entende que a replicação sistemática de discursos por perfis coordenados — ainda que não controlados diretamente por Bolsonaro — poderá levar à conversão das cautelares em prisão preventiva. “Não seria lógico e razoável permitir a utilização do mesmo modus operandi criminoso com diversas postagens nas redes sociais de terceiros”, escreveu Moraes, citando a atuação de “milícias digitais” já alvo de investigações.

Um episódio citado na decisão ocorreu na Câmara dos Deputados, quando Bolsonaro discursou e, logo depois, a íntegra da fala foi publicada nas redes do deputado Eduardo Bolsonaro, também investigado. O ministro considerou esse episódio uma irregularidade isolada e não decretou a prisão do ex-presidente, mas fez uma advertência clara: “se houver novo descumprimento, a conversão será imediata”.

A decisão mantém a linha dura adotada por Moraes nos inquéritos que envolvem o ex-presidente, mas levanta discussões sobre a viabilidade prática da medida. A ressalva feita pelo ministro — de que entrevistas são permitidas, desde que não resultem em conteúdos para redes sociais — parece, na prática, de difícil execução. Na era da comunicação instantânea, é improvável que qualquer manifestação pública não seja filmada, compartilhada e difundida por apoiadores.

Essa limitação, embora juridicamente válida, pode representar uma armadilha jurídica para o investigado. A cada fala pública, o risco de “descumprimento reflexo” da cautelar se renova, independentemente de sua intenção direta. E, embora Moraes ressalte que a Justiça “é cega mas não é tola”, há dúvidas sobre como distinguir ações deliberadas de burlas acidentais ou espontâneas, quando a viralização ocorre por iniciativa alheia.

O cerco jurídico se fecha, mas a complexidade operacional do caso acende alerta. Prender o ex-presidente por atos de terceiros, neste momento, geraria um tumulto político e jurídico de grande escala. Em vez disso, uma flexibilização prudente da cautelar — com ênfase no monitoramento do conteúdo e na prova da intenção dolosa — poderia preservar o equilíbrio entre o devido processo legal e a liberdade de expressão.

*Advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca

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Comentários

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Jane

27 de julho, 2025 | 15:30

“Atos de terceiros????? Bolsonaro instigou golpe o tempo todo, foi na frente do Supremos chamar Moraes de canalha... que memória seletiva das pessoas. Já passou da hora de ser preso , mas como ainda tem muito fanático capaz de matar e morrer pelos ideais da extrema direita que o ex presidente agora inelegível representa ainda está solto. Só pelo comportamento na pandemia já mereceria uma corte internacional por ter sacrificado parte da população. Mas como eles mesmo diz que foi militar e só sabe matar!”

Tião Aranha

26 de julho, 2025 | 16:09

“Depois que o lourao azedo entrou na arena política os homens da toga abaixaram um pouco o facho. O cacique maior deveria entrar no diálogo, mas parece que falta é só a argumentação. Nem a expertise do vice está servindo de base. Tem que ter cuidado quando o santo é de barro. Rs.”

Gildázio Garcia Vitor

26 de julho, 2025 | 14:21

“Excelente artigo! Parabéns! O Estado Democrático (e) de Direito em primeiro lugar.
Até parece que vossa excelência deixou de ser bolsonarista. Que é o que espero de um futuro Doutor.”

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