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07 de agosto, de 2025 | 07:00

A Lei de Cotas não pode ser condicionada

Patrícia Siqueira *

A cada avanço na inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, surgem tentativas de retrocesso que exigem vigilância permanente. É o caso do Projeto de Lei 3445/2021, que tramita na Câmara dos Deputados. À primeira vista, ele parece propor algo positivo — a criação da Política Nacional de Trabalho com Apoio. Mas, ao analisar seu conteúdo, fica evidente que se trata de uma ameaça real ao direito à inclusão.

Como auditora-fiscal do trabalho, tenho acompanhado de perto a aplicação da Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) e os desafios enfrentados para que ela saia do papel. Mais de 550 mil pessoas com deficiência ocupam postos de trabalho formais no Brasil graças à ação afirmativa da cota legal. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI — Lei nº 13.146/2015) reforçou esse direito ao reconhecer que a deficiência é resultado da interação com barreiras sociais e institucionais — e que cabe à sociedade se adaptar ao indivíduo, e não o contrário.

O PL 3445/2021 ignora esse princípio básico. Ao condicionar o reconhecimento da inclusão apenas à metodologia de “trabalho com apoio”, o projeto exclui todas as demais formas de contratação. Com isso, ignora a diversidade das trajetórias, das potencialidades e das experiências das pessoas com deficiência. O texto pretende alterar o artigo 93 da Lei de Cotas para que só conte como cumprimento da cota a contratação por meio dessa metodologia específica. Isso não só restringe a lei como a desfigura.

Mais grave ainda é a proposta de premiar empresas com um “Selo de Inclusão Social” por algo que já é sua obrigação legal. Transformar um dever constitucional em mérito opcional é o tipo de sinal trocado que o Brasil não pode dar. Inclusão não é favor — é direito.
"Transformar um dever constitucional em mérito opcional é o tipo de sinal trocado que o Brasil não pode dar"


Além disso, o PL propõe a criação de despesas públicas sem indicar a fonte de custeio, ferindo o artigo 167 da Constituição. Ou seja, além de injusto, é inconstitucional. A Delegacia Sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (DS-MG/SINAIT), responsável por representar e defender os interesses da categoria no estado, a qual represento, tem atuado na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e da integridade da legislação trabalhista inclusiva. Não podemos permitir que um projeto como esse prospere sem resistência.

O caminho para a verdadeira inclusão passa pelo fortalecimento da Lei de Cotas, pelo apoio efetivo às empresas no cumprimento da lei e pela valorização das diferentes formas de participação no mundo do trabalho. Condicionar o direito à inclusão a um único modelo é negar a pluralidade das pessoas que buscamos incluir.

Que o Congresso Nacional ouça os especialistas, as entidades representativas e, principalmente, as pessoas com deficiência antes de legislar sobre seus direitos. Ainda temos muito a avançar — e não podemos andar para trás.

* Auditora-fiscal do trabalho e representante da Delegacia Sindical do SINAIT em Minas Gerais (DS-MG/SINAIT).

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço

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