
11 de setembro, de 2025 | 08:50
Adultização digital: especialistas alertam sobre riscos do uso precoce das mídias sociais
Agência Brasil
Adultização pode acarretar dificuldade de concentração e ansiedade entre crianças e adolescentes

Por Matheus Valadares - Repórter Diário do Aço
O acesso cada vez mais cedo de crianças e adolescentes às mídias sociais tem levantado alertas sobre os riscos à saúde emocional, ao aprendizado e ao desenvolvimento social. Profissionais ouvidos pelo Diário do Aço destacam que a adultização” digital, fenômeno em que crianças adotam comportamentos e referências do universo adulto, pode trazer consequências graves, como dificuldade de concentração, ansiedade, exposição a conteúdos inadequados e até casos de violência entre menores.
O assunto ganhou grande repercussão após o influenciador Felipe Bressanim, o Felca, publicar um vídeo em seu canal no Youtube. O conteúdo de 50 minutos alcançou em apenas cinco dias quase 34 milhões de visualizações e hoje já tem mais de 50 milhões.
O vídeo denuncia produtores de conteúdo que exploram crianças e adolescentes nas mídias sociais. Também há denúncias e experimentos sobre o algoritmo do Instagram, que com poucos cliques após replicar comportamento de pedófilos, condicionou-se a apresentar conteúdos sexualizados de crianças, o que foi denominado de algoritmo P”.
Para o neuropsicopedagogo clínico Michel Garcia, que atua em Ipatinga, a exposição precoce e sem supervisão às mídias sociais apresenta diversos riscos. Quando a criança é exposta precocemente a conteúdos, linguagens e comportamentos voltados ao universo adulto, ela pode pular etapas importantes do desenvolvimento. Isso gera pressa em imitar padrões que não condizem com sua idade e reduz o interesse por atividades próprias da infância, como brincar e a curiosidade, que são fundamentais para aprender de forma saudável e gradual”, afirmou em entrevista ao Diário do Aço.
Também dá dicas sobre sinais que os pais devem observar. Queda no rendimento escolar, dificuldade de concentração, irritabilidade fora do comum, isolamento social e desinteresse por brincadeiras ou atividades que antes a criança gostava”, enumera.
Tecnologia pode ser aliada
O acesso à internet e à tecnologia pode ser benéfico quando o uso é moderado e supervisionado. Pais e professores podem transformar as mídias digitais em aliadas quando escolhem conteúdos educativos, jogos que estimulem o raciocínio e vídeos que ampliem o conhecimento da criança. O ideal é que o uso seja supervisionado, com tempo controlado e acompanhado de conversas sobre o que foi visto”, complementa.
Ele ainda acrescenta que as sociedades médicas recomendam que o tempo de uso de telas seja limitado e ajustado conforme a idade. As redes sociais, de modo geral, são recomendadas apenas a partir dos 13 anos, pois antes disso a criança ainda não tem maturidade emocional para lidar com certos conteúdos e interações. Quanto ao tempo de uso de telas, em geral, sociedades de pediatria orientam que até os 5 anos o limite seja de 1 hora por dia, sempre com supervisão, e que conforme a criança cresce esse tempo seja negociado com equilíbrio, sem prejudicar sono, estudos e convivência”, finalizou.
Aumento de casos
Na linha de frente do atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco, os conselheiros tutelares têm observado mudanças no comportamento infantil relacionadas ao uso excessivo de mídias sociais.
Nós, como conselheiros, que estamos lidando com essa questão, estamos no dia a dia na ponta fazendo atendimento e, muitas das vezes, nos deparamos com essa adultização bem clara na criança. Nossos atendimentos orientam os pais para ficarem vigilantes diante das questões de rede social, limitar, ficar vigilante”, aconselhou Waldecy Lopes, presidente do Conselho Tutelar de Coronel Fabriciano.
Para Waldecy, muitas das vezes os pais terceirizam as responsabilidades e culpam, inclusive, o ambiente escolar por algum tipo de comportamento manifestado entre as crianças. Além da sexualização precoce, Waldecy alerta para outros tipos de violência associados ao mau uso da internet.
Desde que assumi o conselho em 2021, a gente tem observado essa questão da adultização, e não fica só na questão da violência sexual. Tem a violência psicológica e o fomento do trabalho infantil. A exploração do trabalho infantil, a exploração sexual, tudo isso está por trás de uma rede social”.
Atualização do ECA
Para a advogada Marina Suda, conselheira e membro da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Subseção Ipatinga, a legislação brasileira precisa avançar para acompanhar a realidade digital. Ela lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos em 2025, mas foi criado antes da popularização da internet.
O ECA foi criado em 1990, quando a internet ainda não fazia parte da realidade cotidiana. Hoje, crianças e adolescentes estão expostos a riscos digitais graves, como cyberbullying, exploração sexual on-line e a coleta abusiva de dados pessoais. Apesar de avanços pontuais, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), é indispensável atualizar o Estatuto para estabelecer regras claras sobre o uso de redes sociais, a proteção de dados e a responsabilização das plataformas digitais”.
Crime
Marina Suda também explicou que expor crianças em conteúdo que incentivam a adultização pode configurar exploração infantil. Quando essa exposição envolve sexualização precoce ou até monetização, a situação pode ser considerada exploração infantil. Os pais têm o dever legal de orientar e fiscalizar o uso da internet pelos filhos. O ECA impõe essa responsabilidade, e a LGPD reforça que qualquer tratamento de dados de menores só pode ocorrer com o consentimento dos responsáveis. Isso significa que cabe aos pais monitorar o acesso às redes sociais, para proteger a privacidade e a segurança da criança. A omissão pode gerar responsabilidade, inclusive civil”.
Saiba como denunciar
A advogada Marina acrescenta que casos de violência digital devem ser denunciados e podem gerar responsabilização criminal e medidas protetivas. De acordo com ela, o Conselho Tutelar é o primeiro canal de proteção em situações de exposição digital prejudicial e qualquer pessoa pode denunciar pelo Disque 100.Quando uma criança sofre violência digital, seja o cyberbullying ou o aliciamento, os pais podem acionar o Conselho Tutelar, registrar ocorrência e buscar a responsabilização civil e criminal dos agressores. Nos casos graves, como exploração sexual on-line, o ECA tipifica crimes com penas severas. Além disso, a vítima tem direito a medidas protetivas e acompanhamento psicológico, garantindo sua segurança e dignidade”.
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