30 de setembro, de 2025 | 06:00
Quem quiser que conte outra...
Nena de Castro *
Na boquinha da noite, logo despois da janta, o silêncio tomava conta da casa da fazenda. A meninada ia pra varanda e se assentava nos bancos, ou no chão mesmo, os adultos se achegavam e todos esperavam a entrada de Sinhá Mariquinha que dava jeito na vasilhada da cozinha, com a ajuda de Dasdor e Judite. Era noite de seu Tomazim contar história e ninguém queria perder: toda quinta-feira o negro velho, cabelo pintalgado de branco divertia a todos com seus causos e narrativas.
Entonce, todos chegados, a História começava: o povo da casa mais alguns vizinhos se preparavam pra rir, chorar, sentir medo de assombração e viajar nas palavras do contador. Ele tossia, raspava a garganta e começava:
Vô-le contá um causo sucedido. O causo é o seguinte: vivia noutros tempos no sertão um casal, tão bem, que nem Deus cos anjos. Causava inveja a todo mundo de arruparado que andava. Vai senão condo, pareceu em casa uma rataria, que não houvera mãos a medi. Um dia pariceu na dita cuja casa um gatim preto, muito gordo, muito isperto que começou fazê muitas proeza, matano e fugentano os rato. Ora, marido e muié ficaro num contentamento có gatim, que não tirava ele da mão, alisando. A casa que andava numa tribusana, numa trevoada de malassombrada, estava sussegada. Antonce, um dia, o home fêis uma viaje e recomendou à muié que cuidasse bem do gatim. Foi só ele saí e o bixim desapareceu. Vortando, priguntou pelo gato a muié falô qui tinha sumido e condo ela falava saiu o gatim do quarto de drumi miando piedoso. Veno o probrezim esqueleto de magro, o home se zangô e mandô a muié tratá dele. Gatim engordou e cresceu, mas o dono da casa percisou fazê mais treis viaje. Toda vorta ele achava o bixim magro, então perdeu a paxiença e surrou a muié! Inventou intão otra viaje mas pôs algumas roupa num saco, ia largá a muiè. Meteu o pé na estrada, e à noite abrigou-se debaixo de uma gameleira ramalhuda. Com o escuro iam chegano umas coisa misteriosa, falando e se reunindo numa sessão. Apareceu o Maioral que foi priguntando a cada diabo o que fazia para atentar as pessoas. Um deles, deu o serviço do que tinha feito na casa do casal que vivia antes tão bem: o negoço istava difirço e eu já tava dexano eles de parte, condo apareceu a rataria. Eu, pan! Pruveitei e virei um gati, me acabei cos rato e virei bixim de estimação. Condo o homi viajava eu sumia e aparecia magro na volta; daí começou um desaprecate entre los dois, o marido jurano a muiê até quele, na volta da derradeira viaje deu-les muitos tabefes e largou dela!
- Muito bens! Brabo, brabo! Isso é que é sabê fazê as coisa! Terá um grande plemo condo acabá có serviço!
Ora, o home estava dibaida gameleira o oviu tudo. Voltou pra casa, priguntou pelo gatim que logo apareceu miano, miano e se enroscano nas perna dele. Ele apanhou um porrete e desandou com ança na cabeça do gatim, que deu aquele estoro e sumiu! Fedeu enxofre por 3 dias; ele contou pra muié o causo sucedido da gamelera da encruziada.
E daquela data em diante foi ele vivê ca muié como dantes era! E nada mais digo, a não ser um VIVA!- a todos os Contadores de Histórias do Brasil! Viva Guimarães Rosa, viva Câmara Cascudo e todo o povo brasileiro!
* Escritora e contadora de histórias.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Gildázio Garcia Vitor
30 de setembro, 2025 | 16:34Viva Nena de Castro!”