05 de novembro, de 2025 | 07:30

Operação no Rio de Janeiro e o papel do Estado na segurança pública

Ailton Cirilo *


A recente operação realizada nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, reacendeu um debate essencial sobre os limites e responsabilidades do Estado no enfrentamento ao crime organizado. Com a mobilização de cerca de 2.500 agentes e o cumprimento de dezenas de mandados, a ação teve como objetivo conter a expansão de facções criminosas que dominam territórios e ameaçam diretamente a vida de milhares de cidadãos. O saldo, contudo, foi trágico: mais de uma centena de mortos, segundo dados oficiais - o que exige reflexão profunda sobre a estratégia de segurança pública adotada no país.

Como militar e especialista na área, considero necessário analisar esse episódio sob três perspectivas fundamentais: legalidade, proporcionalidade e efetividade. A legalidade diz respeito ao dever do Estado de agir - previsto no artigo 144 da Constituição, que define as forças de segurança como responsáveis pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas. A omissão, nesse contexto, não é uma opção: quando o crime se impõe sobre o território, a ação estatal se torna imperativa.

A proporcionalidade, por outro lado, remete à forma como o Estado exerce esse poder. É inegável que o enfrentamento em áreas de domínio criminoso impõe altíssimo risco e requer medidas de contenção adequadas. Entretanto, quanto maior a escala da operação, maior também deve ser o rigor no planejamento, na inteligência e no controle dos danos. Reduzir a letalidade, proteger civis e garantir transparência nos resultados são princípios que legitimam o uso da força pública - e não o contrário.

“O verdadeiro avanço virá quando o Brasil for capaz de unir preparo técnico, respaldo jurídico e sensibilidade social”


A terceira dimensão, a efetividade, questiona o que se alcança após o confronto. Experiências anteriores mostram que operações pontuais, sem presença estatal contínua e políticas de ocupação e desenvolvimento, tendem a gerar efeitos temporários. Por isso, é fundamental que a atuação das forças de segurança seja integrada a uma estratégia de longo prazo, envolvendo não apenas polícia e bombeiros, mas também políticas sociais, urbanas e de inteligência criminal permanente.

A operação no Rio expõe, com clareza, a complexidade do desafio nacional da segurança pública. Demonstra que as forças de segurança cumprem seu papel constitucional sob condições extremas, mas também que o país precisa evoluir em planejamento interinstitucional, uso de tecnologia e governança de dados. O combate ao crime organizado não pode ser apenas reativo - precisa ser baseado em informação, coordenação e responsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios.

Reconhecer a legitimidade da ação não significa ignorar as vidas perdidas, mas compreender que a segurança pública deve buscar, simultaneamente, a proteção da sociedade e a preservação da vida. O verdadeiro avanço virá quando o Brasil for capaz de unir preparo técnico, respaldo jurídico e sensibilidade social - princípios que devem guiar cada decisão, cada operação e cada agente do Estado.

* Coronel da reserva da PMMG, especialista em Segurança Pública

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