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06 de novembro, de 2025 | 07:00

O preço invisível pago pelo ser humano por trás da farda

Eliene Lima *


O noticiário recente sobre a mega operação da Polícia do Rio de Janeiro mais uma vez acendeu um debate polarizado. De um lado, a defesa da ordem, do outro, a crítica à violência. Opiniões são dadas, muitas vezes, da abençoada distância do confronto, negligenciando um ponto crucial: o ser humano que executa a missão. Não estou aqui para fazer avaliação sobre a atuação da polícia. Mas eu gostaria de chamar à reflexão sobre o custo emocional pago por aqueles que, naquele dia, saíram de casa sem saber se voltariam vivos ou apenas representados por uma bandeira dobrada.

Muitos ignoram que quando um indivíduo comum decide se tornar um policial militar, ele se submete a um treinamento exaustivo e faz o juramento de servir e proteger a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida. Esse extremo, para muitos nunca chega. Porém, para alguns, essa possibilidade pode se tornar realidade até mesmo numa ocorrência comum, quem dirá quando a tarefa do dia é uma mega operação planejada, em que o policial sai na viatura com a certeza de que está indo para um confronto armado.

Sobre a mega operação no RJ, eu vi em imagens, agentes ajoelhados em oração antes de entrar no beco, onde a única certeza eram os tiros e a predisposição do inimigo em defender seu território. Essa cena me fez pensar muito no quanto as opiniões e julgamentos de quem está fora da situação, negligenciam o fato de que, por detrás daquela farda existe um ser humano. Sim, "eles escolheram a profissão". Mas esta escolha não anula medos, inseguranças, dores, famílias, histórias, expectativas e aspirações. Eles vivem o que qualquer pessoa vive, mas com uma diferença: se realizam numa atividade onde já é previsto que, se preciso for, sua vida será entregue para salvar a vida do outro.

Eu mesma já tive a oportunidade de servir como policial militar e, como eles, fiz o mesmo juramento. Posteriormente, como psicóloga da PM, ouvi em consultório muitos relatos de vida daqueles seres humanos que existem por detrás da farda e pude perceber que o cenário social hostil e a exposição constante ao trauma provocam uma anestesia emocional — uma defesa psíquica, muitas vezes necessária para a sobrevivência no teatro operacional.
"Entendo como urgente pensarmos nos policiais como seres humanos. Não apenas para chorar pelos que se foram"


Hoje, diante do cenário de guerra enfrentado pela PMERJ, não consigo parar de pensar: como é viver dia após dia sabendo que esse confronto pode te esperar na próxima esquina, mesmo se você estiver de folga? O que será que acontece com a sensibilidade deste homem? Será que essa sobrecarga diária não explica boa parte da truculência, da agressividade e da aparente arrogância no trato com a população e, até mesmo, em suas relações pessoais?

Não se trata de justificar desvios de conduta. Apenas de colocar em outra perspectiva as queixas da sociedade, trazendo o humano para o centro da questão. As ações policiais não são executadas por robôs. O treinamento exaustivo não tem o poder de anular a essência da humanidade. Pelo contrário: se a ausência total de sentimentos fosse possível, os policiais seriam ainda mais criticados, pois a maior parte dos chamados exige, sobretudo, inteligência emocional e solução de conflitos.

Como já disse, não estou aqui para defender ninguém. Mas, na posição de psicóloga que já esteve muito perto do que é ser policial, entendo como urgente pensarmos nos policiais como seres humanos. Não apenas para chorar pelos que se foram. Mas para nos solidarizarmos com aqueles que, dia após dia, administram dentro de si as dores e os dilemas de exercer uma profissão tão necessária e, ao mesmo tempo, tão criticada e incompreendida.

* Psicóloga, mestre em Psicologia Social; Tenente Coronel Veterana da PMMG; autora do livro “Pelo olhar do meu pai”.
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